A Capacidade Preventiva da Justiça Restaurativa


Uma luz de esperança para os conflitos penais

Ricardo do Espírito Santo Cardoso
ricardo@espiritosantoba.adv.br


Sumário: INTRODUÇÃO - 1. A GÊNESE DE UMA PROPOSTA RESTAURATIVA - 1.1 O resgate da vítima na resolução do conflito penal e os estudos vitimológicos - 1.2 Justiça Restaurativa: concito e princípios - 1.3 As práticas restaurativas - 2. A PENA COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO - 2.1 A pena como prevenção geral - 2.2 A pena como prevenção especial - 2.3 O caráter criminógeno da pena - 3. OS ACORDOS RESTAURATIVOS E A AUTORESPONSABILIDADE DO AUTOR DO FATO VIABILIZANDO A PREVENÇÃO DE FUTUROS CONFLITOS PENAIS.

Contents: INTRODUCTION - 1. THE GENESIS OF A PROPOSAL RESTORATIVE - 1.1 The victim's rescue in the resolution of conflict and criminal vitimológicos studies - 1.2 Restorative Justice: concito and principles, 1.3 Restorative practices - 2. PENAS PREVENTION TOOL - 2.1 The penalty as a general prevention worth - 2.2 As a special prevention - 2.3 Criminogeno character pen - 3. RESTORATIVE AGREEMENTS AND AUTO FACT THE AUTHOR'S RESPONSIBILITY ENABLING THE FUTURES PREVENTING CONFLICTS CRIMINAL


RESUMO:


Nesse artigo é analisada a influência positiva dos acordos restaurativos, na evitação da reincidência criminal, demonstrando que para além dos objetivos centrais da justiça restaurativa, que são o empoderamento da vítima, a reparação do dano e a restauração das relações intersubjetivas, a prevenção penal também é uma possibilidade. As práticas restaurativas permitem às partes expor seus sentimentos em face do delito, falando das consequências da ofensa sofrida, de suas necessidades, sem a pecha e o peso do sistema de justiça criminal, permitindo assim, uma maior sensibilização do ofensor, compreendendo sua responsabilidade e seu dever de repara o dano. A justiça restaurativa resolve o conflito penal, através das partes, incluindo também a comunidade, sempre sob o princípio da voluntariedade e da consesualidade, com atenção na ofensa e suas consequências, desvalorando apenas a conduta delitiva, MS mantendo a dignidade do ofensor. Desse modo, constrói-se um acordo restaurativo em conjunto, demonstrando ao ofensor a sua participação na comunidade, desenvolvendo a autoresponsabilidade e viabilizando comaninhos para a sua reintegração social.

Palavras chaves: Justiça Restaurativa; Prevenção Penal; Reincidência Penal Autoresponsabilização; Reintegração Social.


Abstract:


In this article is analyze the positive influence of restorative agreements on avoidance of recidivism, demonstrating that in addition to the main objectives of restorative justice, which are the empowerment of the victim, repairing the damage and the restoration of relationships between subjects, criminal prevention also it's a possibility. Restorative practices allow the parties to expose their feelings in the face of crime, talking about the offense the consequences suffered, their needs, without the taint and the weight of the criminal justice system, thus allowing a greater awareness of the offender, including their responsibility and their duty to repair the damage. Restorative justice addresses the criminal conflict through the parties, also including the community, always under the principle of voluntariness and consensuality, with attention to the offense and its consequences, devaluating only criminal conduct, but maintaining the dignity of the offender. Therefore, it builds up a restorative agreement together, demonstrating the offender to participate in the community by developing and enabling self responsibility ways for their social reintegration.

Keywords: Restorative Justice; Criminal prevention; Criminal Recidivism Auto Accountability; Social reintegration.


INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem o escopo de analisar a importância da justiça restaurativa na resolução dos conflitos penais, sob a ótica de seu caráter preventivo, demonstrando que as práticas restaurativas ao permitirem que vítima e ofensor protagonizem a construção de uma solução, viabiliza assim, a redução da reincidência penal. Para tanto, imprescindível é a apresentação da gênese restaurativa, demonstrando que o resgate da vítima para a resolução dos conflitos penais, foi importantíssimo, permitindo o dialogo necessário a desencadear, a partir da perspectiva do olhar sobre o outro, apreendendo suas dores e suas necessidades, o senso de responsabilidade no ofensor.

A pesquisa é de natureza teórico-bibliográfica, seguindo o método descritivo- analítico que instruiu a análise através da doutrina que informa os conceitos de ordem criminológica, da finalidade da pena e da justiça restaurativa.

Devido à riqueza e complexidade do tema, o presente trabalho não tem a pretensão de fazer uma análise aprofundada de todo seu conteúdo e particularidades da justiça restaurativa. Sendo assim, será demonstrado seu surgimento a partir do resgate da vítima, que por longos anos ficaram esquecidas na dialética empregada para resolução dos conflitos penais, perdendo seu protagonismo inicial, esquecidos nos labirintos da resposta penal, ressurgindo através dos estudos vitimológicos e das práticas restaurativas.

A resposta penal aplicada pelo sistema de justiça criminal tradicional, utilizando-se sempre da privação da liberdade como solução dos conflitos, se revela imprópria para conseguir algum efeito benéfico ao desenvolvimento ou ressocialização do indivíduo, sendo contundentemente defendido a sua falência como solução racional. Nesse contexto, a justiça restaurativa racionaliza a resposta penal, através de sua proposta alternativa de solução para conflito, democratizando a estrutura judicial ao permitir a intervenção da vítima, ofensor e comunidade na construção de uma solução que atenda as necessidades dos envolvidos.


1. A GÊNESE DE UMA PROPOSTA RESTAURATIVA


1.1- O resgate da vítima na resolução do conflito penal e os estudos vitimológicos


A historia da humanidade é marcada pelo desenvolvimento da razão, momento em que o homem se distancia das demais espécies, demonstrando possuir controle diferenciado sobre os instintos, sobretudo em face da agressividade e da sexualidade, o que permitiu, o convivo em grupos e a formação da sociedade. No entanto, a interação social nem sempre é harmônica, pois nela o homem revela suas falhas em controlar seu lado instintivo, podendo-se afirmar, que através dos tempos o homem tem aprendido a viver numa verdadeira societas criminis.

Nesse sentido, os primeiros modelos sancionatórios, desenvolvidos para a solução dos conflitos penais tinha a vítima como protagonista, através das chamadas vingança privada ilimitada, na tomada das soluções dos conflitos. A vingança, aliás, é um elemento formador do próprio direito penal, tendo sua formação a partir do modo pelo qual as civilizações através do particular, reagiam às ofensas que lhes eram produzidas (CÂMARA, 2008).

Nos primórdios civilizatórios, passando pela alta e baixa idade média, até meados do século XII, também conhecido como ‘Idade de Ouro’, reinava a justiça privada e a vingança protagonizada exclusivamente pela vítima e seus familiares (FERNANDES, 2009).

Contudo, não existia uma normatização da reação ao dono sofrido por um indivíduo ou sua comunidade, o que gerava uma espiral de violência, tendo a vingança de sangue o seu maior exponencial de reação, o que muitas das vezes revela a superioridade de uns em face de outros, sem nenhuma relação de imputação de responsabilidade, prevalecendo à vontade do mais forte (STRECK, 2012). Inexistia, portanto, sistema desenvolvido de resolução de conflitos, métodos sistematizados, inclusive nos primeiros grupos de pessoas formadas (PRADO, 2006).

A evolução da resposta ao conflito penal, passa da vingança privada pela influencia religiosa, assumindo os conflitos penais uma violação ao divino, mas não menos violento, instituindo o "vis corpolis", com penas cruéis, severas, desumanas, utilizadas como meio de intimidação (GOMES, 2015). Com a formação de uma sociedade mais organizada, a resposta ao delito perde sua índole sacra para transformar- se em uma sanção imposta em nome de uma autoridade pública, e com a formação do Estado, o ofendido ou do divino, perdem por completo o controle sobre a aplicação das sanções penais pelo crime.

Assim, o moderno direito penal surge no século XVIII, período das luzes do Iluminismo, promovendo a humanização da resposta penal, onde a racionalidade afasta a ideia de vingança ao delido, marcada pela desumanidade e crueldade, inserindo uma concepção de proporcionalidade e racionalidade (GOMES, 2015). Nesse contexto, na medida em que o direito penal foi se tornando mais racionalizado, a vítima do delito foi perdendo seu protagonismo na aplicação da sanção, ficando cada vez mais esquecida dentro da sistemática penal de imputação de responsabilidade ao ofensor.

A vitimologia, portento, é responsável pelo resgate da vítima, reinserindo o debate a respeito do seu papel no sistema penal, quais seriam seus direitos, especialmente, quais seriam suas necessidades, promovendo assim, uma nova perspectiva que passaria a se preocupar com alguém que foi completamente esquecida tanto pelo direito penal quanto pelo processo penal moderno. Na concepção de Garrido, Stangeland e Redondo (2001), a nova perspectiva inserida através da vítima, traz um maior interesse pela situação concreta, a respeito do fato, pela interação entre as parte, pelos fatores situacionais e pela prevenção, promovendo uma nova forma de solução do conflito, que não necessariamente deva ser através do processo penal.

O estudo da criminologia voltado para vítima, dando início a vitimologia, teve como pioneiro o criminólogo alemão Hans Hentig com a obra The Criminal and his Victim (1948), demonstrando a contribuição da vítima e demonstrando vários tipos de vítimas (PALLAMOLLA, 2009). Hentig, através de seus estudos, sistematicamente descreveu o papel da vítima na gênese delitiva, criando inclusive uma classificação, com a vítima inocente, vitima voluntária, vitima latente, vítima nata, demonstrando na verdade, uma relação do comportamento da vítima na ocorrência do delito, promovendo a foco na vítima pela porta da culpa (CAMARA, 2008).

Portanto, os estudos inaugurais da vitimilogia, se preocuparam inicialmente no grau de culpabilidade da vítima na ocorrência do fato delituoso. Introduzindo uma noção de níveis de responsabilização da vítima na sua própria vitimização (PALLAMOLLA, 2009). Na verdade, possuía uma forte carga positivista, demasiadamente preocupada em analisar o papel causal da vítima na origem do delito, na descrição das características das vítimas e na definição de um modelo de relação existente entre vítima e autor (PETERS, 1988).

No entanto, os movimentos resurgidos na década de 60 e 70, totalmente distantes das ideias iniciais da primeira fase da vitimologia, passam a analisar a vítima sob a perspectiva do tratamento dispensado no processo penal, impulsionado pelo crescimento do movimento feminista, que chamavam atenção para os crimes sexuais e crimes violentos comentidos contra a mulher (GREEN, 2007 apud PALLAMOLLA, 2009). Passando nesse momento, a surgir um estudo vitimologico de interesse na vítima, como sujeito merecedor de proteção, e com atenção voltada para suas necessidades através do direito penal e do processo penal.

Contudo, os movimentos de resgate da atenção á vítima, segundo Pallamolla (2009, p.49), “não possuía (e ainda não possui) uniformidade em relação ao papel do sistema de justiça criminal na preservação dos direito da vítima.” Nesse aspecto, as correntes de índole abolicionistas evidenciavam que o direito penal é ineficaz e sempre abandona a vítima, sendo necessária, outra via de solução do conflito em face da vítima, diferentemente dos movimentos feministas, que concebia o direito penal como um forte aliado, concebido nos anos 80 como um ‘empresário moral’, defendendo o direito penal como meio de proteção da mulher (LAURRAURI, 2007).

A vitimoligia passou pro um processo de evolução, saindo da fase inicial, onde focou seus estudos no comportamento da vítima como fonte delitiva, condicionando sua vitimização, afastando-se do enfoque positivista, voltando sua atenção as instancias formais de controle no tratamento das vítimas. Segundo Bustos e Larrauri (1993, p.14) “esta preocupação com o processo de vitimização (primária, secundaria e terciária) deu lugar à análise de diversos pontos, como o sentimento de desamparo da vítima, bem como a sensação de alienação da vítima no sistema penal”. A importância da vitimologia é o de trazer a vítima para o centro das atenções, redefinindo o papel da vítima no sistema de justiça, demonstrando sua importância quanto sujeito de direito na procura de uma solução para o conflito interpessoal, bem como, a promoção de uma solução reparadora dos seus danos sofridos pelo crime (SANTOS, 2014). Dessa forma, a vítima teria uma participação ativa na busca por reparação, através do empoderamente, elemento definidor das práticas restaurativas, permitindo novamente certo protagonismo na solução dos conflitos penais.


1.2 – Justiça Restaurativa: conceito e princípios


A conceituação da justiça restaurativa é tarefa árdua, tratando-se de conceito ainda aberto, mesmo após anos de experiências e debates, variando seu conceito conforme os experimentos práticos vivenciados por seus cultores. É necessário pontuar, que não existe um conceito de justiça restaurativa, ao menos do ponto de vista solidificado e pacifico, existindo várias e muitas distintas propostas de definição da justiça restaurativa.

Nesse contexto, as mesmas dificuldades encontradas na elaboração de um conceito de justiça restaurativa, encontram-se igualmente complexa a definição de seus objetivos, existindo uma grande variedade de modelos de resolução de conflitos. Sendo assim, estaria inserido nos modelos restaurativos, o direcionamento à conciliação e a reconciliação entre as partes envolvidas, a restauração dos laços rompidos pelo crime, à prevenção da reincidência e a responsabilização (JACCOUD, 2005).

Entretanto, em que pese à dificuldade de conceituação, é possível assinalar algum consenso entre boa parte da doutrina que trabalha o tema em torno da definição apresentada pro Tony Marshall. Segundo o autor “a justiça restaurativa é um processo pelo qual todas as partes que têm interesse em determinada ofensa, juntam-se para resolvê-la coletivamente e para tratar suas implicações futuras” (MARSHALL, apud LARRAURI, 2004, p.443).

Na concepção de Zehr (2012, p. 49), seria o seguinte:

justiça restaurativa é um processo para envolver, tanto quanto possível, todos aqueles que têm interesse em determinada ofensa, num processo que coletivamente identifica e trata os danos, necessidades e obrigações decorrentes da ofensa, a fim de promover o restabelecimento das pessoas e endireitar as coisas, na medida do possível.

Por outro lado, Jaccoudo (2005, p.169) trata a justiça restaurativa como “uma aproximação que privilegia toda a forma de ação, individual ou coletiva, visando corrigir as consequências vivenciadas por ocasião de uma infração, a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes ligadas a um conflito”. Nesse aspecto, o autor parte de uma perspectiva em que há a participação das partes com a finalidade se encontrar um processo restaurativo.

De forma mais abrangente, SANTOS (2004, p.756) declara que a justiça restaurativa é:

um modo de responder ao crime (e, nessa medida, como uma pluralidade de práticas associadas a uma pluralidade de teorias agrupadas em função de uma certa unidade) que se funda no reconhecimento de uma dimensão (inter)subjectiva do conflito e que assume como finalidade a pacificação do mesmo através de uma reparação dos danos causados à(s) vítima(s) relacionada com uma auto-reponsabilização do(s) agente(s), finalidade esta que só logra ser atingida através deum procedimento de encontro, radicado na autonomia da vontade dos intervenientes no conflito, quer quanto à participação, quer quanto à modelação da solução.

Paradoxalmente, o conceito de justiça restaurativa encontra-se em construção, portanto, aberto e em permanente movimento, podendo ser analisado positivamente, pois não há um engessamento de sua forma de aplicação, permitindo assim, maior adaptação a cada caso e aos seus contextos culturais, permitindo a indeterminação dos casos-padrão e as respostas-receituário (ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014). Entretanto, mais importante do que uma conceituação é a compreensão dos elementos que integram o conceito, demonstrando que na resolução do conflito em face da prática de um crime a vítima ganha papel fundamental, interagindo com o ofensor e assim, construindo uma solução reparando o dano, e permitindo a restauração.

Na concepção da justiça restaurativa, existe um elemento social, onde o crime é mais que uma ofensa ao Estado, revelando uma ofensa de índole social entre a vítima, ofensor e a própria comunidade. Por consequência, promove uma maior participação dos envolvidos na construção de uma solução, demonstrando um forte elemento democrático e reparador, buscando na solução do conflito que as reais necessidades da vítima sejam respeitadas e reparadas (LÁZARO, 2006).

Ao longo da evolução social do homem mencionado linhas atrás, a vítima foi perdendo seu protagonismo, sendo que a resposta penal tradicional foi relegando sua participação, quase que a mero instrumento de prova, negligenciando por completo suas necessidades. Neste sentido, Zehr (2012, p. 25) elenca “quatro necessidades em especial da vítima que são desconsideradas: informação, falar a verdade, empoderamento e restituição patrimonial ou vindicação”.

Nessa concepção, partindo da perspectiva da vítima, a primeira questão a ser enfrentada, de fato é o direito a informação, permitindo a compreensão do ofendido da resposta estatal e de tirar suas dúvidas sobre o fato lesivo. Promovendo informação real, não especulativa no processo tradicional, que em geral é negligenciada desde o inquérito policial até a fase processual, fluindo sem que nada seja informado à vítima, sendo tratada como mero instrumento. Também necessita contar e recontar tudo que lhe está acontecendo, falando a verdade dos fatos em um contexto em que o ofensor possa entender o mal que causou. Essa vivência de relatar os danos sofridos tem inclusive fins terapêuticos, amenizando o trauma sofrido (ZEHR, 2012).

O delito é uma ofensa que retira da vítima a confiança, gerando uma sensação de impotência, sonegando seu controle sobre sua vida e a gestão de seus bens. Nesse sentido, a justiça restaurativa, através de participação da vítima na resolução do conflito, promove seu empoderamenteo no processo, permitindo participar das consequências e decisões tendo a capacidade de lhe restituir o senso de poder.

A participação das vítima permitiu a busca pela reparação com maior conhecimento da dor sofrida pela vítima, construindo essa reparação através do consenso das partes. E a restituição de valores, o ressarcimento do dano ou mesmo o mero pedido de desculpas pode satisfazer a necessidade da vítima de “igualar o placar”, pois existe uma necessidade básica de ser tratado com justiça, de receber uma retribuição pela lesão sofrida (ZEHR, 2012).

Por outro lado, é bem verdade que as práticas restaurativas, além de inserir a vítima como protagonista na solução dos conflitos penais, permite também, a participação da comunidade na reconstrução de uma solução para o crime. No entanto, a concepção de comunidade no âmbito da justiça restaurativa, é um tanto quanto amplo, provocando uma série de variações podendo abranger tanto um conceito regional (membros de um local determinado) quanto um conceito afetivo (membros que compartilham ligações afetivas com o ofensor ou ofendido).

Além do mais, pode haver casos em que os interesses comunitários não coincidem com os interesses da vítima havendo complicações para solução do conflito (SANTOS 2014). Dessa forma, seria vantajoso incluir na relação restaurativa uma comunidade de pessoas próximas aos participantes da conciliação que teriam interesse em contribuir para que os anseios de todos sejam correspondidos.

Santos (2014, p. 194), especifica:

Nesta medida, os ‘próximos’ serão aqueles que puderem dar um contributo para a reparação dos danos sofridos pela vítima (através do próprio processo e através dos resultados que visar) e para uma assunção da responsabilidade pelo agente que favoreça a reparação do seu sentido de pertença ao grupo e sua reintegração.

A proposta restaurativa, deve primordialmente permitir que a vítima e ofensor construa uma solução que viabilize a reparação, sendo que a atuação da comunidade, seja ela qual for sua concepção, seja sempre subsidiaria a prevalecer o interesse da vítima.

Ultrapassando a difícil tarefa de conceituação da justiça restaurativa, tendo em vista as dificuldades apontadas, necessário é, voltar às atenções aos princípios que norteiam esse paradigma. No entanto, a definição de princípios, encontra também dificuldades, em face da variedade de programas e da dinâmica da construção do modelo restaurativo.

Entretanto, diferentemente da dogmática penal que possui princípios limitadores, na proposta da justiça restaurativa, não há, e talvez nem seja indicado que haja diretrizes limitadoras de condutas, mas sim, ideias centrais que aperfeiçoem a prática e mantenham a justiça restaurativa independente de influências jurídico-legais. Porém, é necessário fixarem-se alguns, o que fazemos com base em três princípios básicos (LATIMER; KLEINKNECHT, 2000; VAN NESS, 1993; STRANG, 2001, apud SICA, 2007, p.33):

• o crime é primariamente um conflito entre indivíduos, resultando em danos à vítima e/ou à comunidade e ao próprio autor; secundariamente, é uma transgressão da lei;
• o objetivo central da justiça criminal deve ser reconciliar pessoas e reparar os danos advindos do crime;• o sistema de justiça criminal deve facilitar a ativa participação de vítimas, ofensores e suas comunidades.

A justiça restaurativa tem como fundamento a resolução do conflito penal através da intervenção das partes envolvidas, promovendo o empoderamento da vítima permitindo a colocação de sua perspectiva, na busca de reparação e restauração. Nesse sentido, dentre os princípios apontados por Leonardo Sica, à voluntariedade e a consensualiedade é fundamental para concretização da proposta restaurativa.

O propósito da justiça restaurativa somente será atingido se o interesse das partes em participar na solução do conflito através de seus mecanismos, for voluntário, propiciando desta forma, que as respostas dadas serão mais sinceras e respeitosas do que se fosse por meios coercitivos. Nesse sentido, pontua Ferreira (2006, p. 29), “o fato do mediador ou facilitador não possuir as características e nem os poderes tradicionais de uma autoridade julgadora, faz com que as partes se sintam mais ‘soltas’ em exprimir suas ideias e sensações, tornando o mecanismo mais eficiente”.

No paradigma restaurativo, busca construir uma solução de um conflito, permitido a participação efetiva de vítima e ofensor, permitindo assim, que aja uma maneira consensual de uma solução para o conflito, sendo necessária por outro lado, que esse encontro seja voluntário e não uma imposição.

É importante pontuar, que a voluntariedade e a consensualidade na resolução do conflito, trás beneficio para ambas as partes, vítima e ofensor. Permitindo que as partes compartilhem suas dores, especialmente a vítima, permitindo assim, que ofensor possa compreendê-la, proporcionando a sensação mutua de justiça, diferentemente da imposição de uma pena meramente retributiva que em regra gera insatisfação de ambas as partes.


1.3 – As práticas restaurativas


O momento de aplicação das práticas restaurativas depende substancialmente do modelo que cada país segue, especialmente por não existir um sistema de justiça inteiramente restaurativo, mas tão somente sistemas de justiça criminal permeados por práticas restaurativas no processo criminal, ou levados a cabo fora dele (PALLAMOLLA, 2009). Entretanto, não é objeto desse artigo fazer uma analise de direito comparado das formas de aplicação da justiça restaurativa pelo mundo, concentrando tão somente, em algumas práticas restaurativas, que sabemos não possuir uma formula, mas diversas praticas, conforme Azevedo (2005, p. 136):

A ideia de uma justiça restaurativa aplica-se a prática de resolução de conflito baseada em valores que enfatizam a importância de encontrar soluções para um mais ativo envolvimento das partes no processo, a fim de decidirem a melhor forma de abordar as consequências do delito, bem como as suas repercussões futuras.

Nesse sentido, passamos a analisar as práticas restaurativas que objetiva, colocar as partes afetadas frente a frente num ambiente não adversarial, para expor sobre os danos e decidirem o que fazer para solucionar o conflito.

A mediação é uma das praticas restaurativas, em que permite o encontro entre vítima e acusado através de um mediador, permitindo a interação entre as partes, onde ofensor terá conhecimento do dano causado sob a perspectiva da vítima. A mediação “consiste en el encuentro víctima-ofensor ayuadadas por um mediadorcon el objetivo de llegar a um acuerdo reparador” (LAURRAURI 2004, p.442, apud, PALLAMOLLA, 2009, p.108).

É necessário pontuar, que justiça restaurativa e mediação possui diferenciação, podendo a depender da perspectiva, um possuir conceito mais abrangente que o outro. Assim, justiça restaurativa pode ter um conceito mais restritivo, tendo em vista somente ser aplicado em contexto criminal, enquanto que a mediação pode ser aplicada a qualquer tipo de conflito. Pro outro aspecto, a justiça restaurativa é mais ampla em face das variadas respostas para o conflito, alcançada por meios diversos da mediação, ao passo em que a mediação refere-se exclusivamente na relação entre ofensor e vítima que são estabelecidas na mediação (PALLAMOLLA, 2009).

A mediação segundo Pallamolla (2009, p.109):

O processo de mediação entre vitima-ofensro visa possibilitar que estes implicados encontrem-se num ambiente seguro, estruturado e capaz de facilitar o diálogo. Antes de encontrarem-se, vítima e ofensor passam por conferencias separadas com um mediador treinado que explica e avalia se ambos encontram-se preparados para o processo. Segue-se o encontro entre ambos, no qual o mediador comunica ao ofensor os impactos (físicos, emocionais e financeiros) sofridos pela vítima em razão do delito e o ofensor tem, então, a possibilidade de assumir sua responsabilidade no evento, enquanto a vítima em recebe diretamente dele respostas sobre porquê e como o deleito ocorreu. Depois desta troca de experiência, ambos acordam uma forma de reparar a vítima (material ou simbolicamente).

A medição permite a interação entre as partes envolvidas no crime, orientados por um facilitador, quebrando os estereótipos em face dos envolvidos, ocasionando entendimento e reparação dentro de uma compreensão construída pelas partes. Sendo assim, o objetivo prioritário na mediação é o restabelecimento do dialogo, permitindo assim, a reparação da vítima e a restauração do conflito.

Outro meio de promoção da justiça restaurativa, é através dos círculos restaurativos, chamados também de sentencing circles, peacmahing circles ou community circles. Os círculos restaurativos tem por objetivo a construção de uma solução do conflito penal, através da participação das partes diretamente envolvidas no conflito, vítima e ofensor, suas respectivas famílias, pessoas ligadas às partes, representantes da comunidade, bem como pessoas vinculadas ao sistema de justiça criminal.

Os círculos restaurativos tem sua atenção voltada para as necessidades da vítima, comunidade e ofensor, segundo Ray (2007, p215, apud PALLAMOLLA, 2009, p.120):

Os objetivos do processo incluem promover a cura para todos aas partes afetadas; oferece ao ofensor a possibilidade de arrepender-se; empoderar as vítimas e membros da comunidade para expressar-se francamente e desenvolver capacidade para os próprios integrantes resolverem os seus conflitos.

É importante ressaltar, o que havia alertado Cláudia Cruz Santos em face da participação da comunidade, uma vez que seus interesses poderia suplantar o interesse da vítima ou do ofensor. Assim, os círculos restaurativos podem ser utilizados para outros fins que não o de alcançar um acordo restaurativo, podendo ser utilizado para solucionar um problema da comunidade.

Pallamolla (2009) informa ainda, que em um pequeno estudo realizados nos EUA para verificação da eficácia, ofensores afirmaram se sentirem cerceados em alguns momentos pela participação da comunidade, em que pese a maioria dos entrevistados terem saído satisfeitos.

Conferencia de famílias, é outra prática restaurativa, surgida na Nova Zelândia, utilizada nos casos de jovens infratores, adotada posteriormente pela Austrália e Estados americanos, sendo aplicado a adultos na Austrália. Seu procedimento é muito parecido com a mediação, participando dessa prática restaurativa, além das partes, seus familiares e pessoas que possam lhes apoiar.

Pallamolla (2009, p. 118), explica o procedimento da seguinte forma:

O procedimento é similar ao da mediação vítima-ofensor. Há encontros separados entre facilitador e cada um das partes (que podem ser acompanhados por seus familiares), antes do encontro direto entre vítima e ofensor. Nas conferencias as partes mostram seus pontos de vista, tratam sobre os impactos do crime deliberam o que deve ser feito. O objetivo é fazer com que o infrator reconheça o dano causado á vítima e aos demais e assume a responsabilidade por seu comportamento. A vítima terá a oportunidade de falar sobre o fato, fazer perguntas e dizer como se sente. Após as discussões, a vítima é perguntada sobre o que gostaria que fosse feito e, então, passa-se a delinear um acordo reparador, para o qual todos os participantes podem contribuir. Neste procedimento, a discussão sobre o que fazer tende a exceder os limites do delito dando-se atenção ás necessidades e a questão relativas tanto á vítima quanto ao ofensor.

As pesquisas realizadas nos países em que são aplicadas a conferencias de família demonstram existo dessas práticas, em países como Nova Zelândia, EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália. Demonstrando que o processo restaurativo permite que o infrator se envolva mais no processo de justiça, revelando maior compromisso dos infratores em cumprir com os acordos alcançados, do que os resultantes da justiça comum.


2. A PENA COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO AO CRIME


As teorias preventivas da pena, segundo sua essência, reconhecem que a pena se traduz num mal para quem a sofre, atribuindo assim, na tentativa de racionalização de seu caráter, conferir à pena a capacidade e a missão de evitar que no futuro se cometam delitos. Demonstrando, como instrumento político-criminal destinado a atuar no mundo, certo afastamento da ideia de retribuição pura e simples, uma vez que é destituída de sentido social-positivo. Nesse contexto, para como tal se justificar, a pena tem que usar esse mal apenas para alcançar a finalidade precípua de toda a política criminal, que é a prevenção.

A teoria preventiva da pena ganha relevância, sentido, a partir de um direito penal legitimado pela relevância social e cunhado na função de proteção de bens jurídicos. Nessa concepção, a pena deixa de ser um fim em si mesmo, passando a proclamar uma finalidade para pena, utilizado-a como instrumento de combate a ocorrência e a reincidência do crime.

Nesse sentido, explica PRADO (2015, 378):

Encontra o fundamento da pena na necessidade de evitar a prática futura de delitos (punitur ut ne peccetur) – concepção utilitárias da pena. Não se trata de uma necessidade em si mesma, de servir à realização da justiça . mas de instrumento preventivo de garantia social para evitar a prática de delitos futuros (poena relata ad effectum). Isso quer dizer que a pena se fundamenta por seus fins preventivos, gerais ou especiais. Justifica-se por razões de utilidade social.

Esta teoria pode ser dividida em preventiva geral, a qual tem por característica a intimidação da sociedade para a não prática do ilícito, e preventiva especial, que possui como objeto o próprio autor do crime.


2.1 A pena como prevenção geral


A prevenção geral da pena é subdividida em negativa, que busca a intimidação daqueles que não praticaram a conduta ilícita, para que estes não se sintam motivados ou instigados à prática do crime e também em positiva, na qual a pena nada mais é do que um novo meio de se produzir novos valores morais e éticos diante da sociedade e do indivíduo que não praticou a conduta ilegal. Segundo Santos (2006, p.459) “A função da prevenção geral atribuída à pena criminal igualmente tem por objetivo evitar crimes futuros mediante uma forma negativa antiga e uma forma positiva pós-moderna”.

Nessa concepção, a intimidação penal é uma forma de manifestação tradicional, através da coação psicológica, conforme teorizou FEUERBACH (1775- 1835), coação psicológica, em que o Estado pretende desestimular os integrantes da sociedade de praticarem crimes em face da ameaça de pena (SANTOS, 2006). Segundo Souza (2006, p.73), tais espécies de prevenção se classificavam na prevenção geral e especial:

A teoria preventivo-geral pode ser investigada sob o aspecto negativo e positivo. Entre os defensores da teoria preventivo-geral negativa destacam- se: A. Feuerbach, A. Schopenhauer, Filangieri, Carmignani, F. M. pagan G. Romagnosi, C. Beccaria e J. Bentham. Este último afirmava que o castigo em que o réu padece é um painel onde o homem pode ver o retrato do que lhe teria acontecido caso praticasse o mesmo delito. No entanto, em segundo plano, o referido autor mencionava a prevenção especial, para cumprir a exemplaridade da pena e reformar o homem, calculada de maneira a enfraquecer os motivos enganosos e reforçar os motivos tutelares.

Entretanto, a prevenção geral negativa sofre profunda crítica jurídica em face de sua incapacidade de inibir comportamentos delitivos por meio da aplicação de pena ao infrator, como a aplicação das nocivas penas corporais medievais, bem como as modernas penas privativas de liberdade do mundo moderno. No auge do iluminismo penal, na tentativa de demonstrar o caráter preventivo da pena, Beccaria (2002, p.73) já havia afirmado que “a certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre a impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade”.

A crítica feita às teorias relativistas generalistas negativas da pena repousa no fato de que a referida doutrina desconsidera o homem como fim em si mesmo, para entendê-lo como mero meio à consecução de objetivos sociais, atribuindo ao indivíduo condenado à utilidade de, pela sua punição, servir de exemplo para a sociedade, como se simples objeto fosse. Ademais, a finalidade intimidatória propugna a legitimidade da maximização da punição como forma de intimidar pelo exemplo, seja na elaboração seja na aplicação das leis, não existindo limites para punição, causando verdadeiro “terrorismo estatal” (SANTOS, 2006, p. 459).

A prevenção geral no final do século XX, passa pro uma reformulação, assumindo uma dimensão positiva, denominada por integração/prevenção, merecendo destaque pelo menos duas posições principais sobre a prevenção geral positiva.

Nessa perspectiva, é importante o posicionamento de Claus Roxin que defende uma natureza relativa da prevenção geral positiva, uma vez que é apenas uma função dentre outras atribuídas à pena criminal, sendo que sua legitimação objetiva a proteção de bens jurídicos, subsidiariamente porque existem outros meios mais efetivos de proteção, e da fragmentariedade, pois exerce proteção parcial de bens jurídicos (ROXIN, 1981). Segundo o posicionamento de Roxin (1981), na prevenção geral positiva pode ser diferenciado três finalidades distintas, em que pese corelacionadas, sendo o primeiro, o efeito de aprendizagem sócio-pedagógico; segundo, o efeito de aumento da confiança do cidadão no ordenamento jurídico pela percepção da imposição do Direito através da justiça penal; terceiro, o efeito de pacificação social pela punição da violação do direto, tranquilizando o cidadão, em virtude da sanção e na solução do conflito.

Por outro lado, Jakobs define a prevenção geral positiva como a demonstração da validade da norma, manifestada através de reação contra a violação da norma realizada à custa do responsável, necessária para reafirmar as expectativas normativas frustradas pelo comportamento criminosos (JAKOBS, 1993, p,7, apud, BRITO, 2015). Sendo assim, segundo a concepção de Jakbos, a prevenção geral positiva é dirigida a todos na sociedade, com a finalidade de gerar confiança na norma, fidelidade jurídica pelo reconhecimento da pena como efeito da contradição da norma; e por fim, de aceitação das consequências respectivas, pela conexão do comportamento criminoso como dever de suportar a pena (JAKOBS, 1993, apud Santos, 2006).


2.2 A pena como prevenção especial


A ideia de prevenção especial recai diretamente sob o autor de um delito, de maneira que, afastando-o do meio livre, não volte a delinquir e possa ser corrigido.

Portanto, além de prevenir a ocorrência de novos crimes, a prevenção especial, poderia corrigir o criminoso esporádico e tornar inofensivo o criminoso incorrigível, conforme Carvalho Neto (1999, p. 15), “a pena visa à intimidação do delinquente ocasional, à reeducação do criminoso habitual corrigível, ou a tornar inofensivo o que se demonstra incorrigível”.

O sistema de prevenção especial tem o réu como foco, realizando-se em duas dimensões simultâneas, sendo a primeira e mais nociva, a neutralização ou inocuização do criminoso, denominada de prevenção especial negativa, que consiste na incapacitação do preso para a prática de novos crimes durante a execução da pena (SANTOS, 2006). Nesse sentido, tratando sobre este assunto Zaffaroni e Batista (2003; p. 128) expõe o seguinte:

Ao nível teórico, a idéia de uma sanção jurídica é incompatível com a criação de um mero obstáculo mecânico ou físico, porque este não motiva o comportamento, mas apenas o impede, o que fere o conceito de pessoa (art. 1.o da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art. 1.o da Convenção Americana dos Direitos Humanos), cuja autonomia ética lhe permite orientar- se conforme o sentido. Por isso, a mera neutralização física está fora do conceito de direito, pelo menos em nosso atual horizonte cultural. Como no discurso anterior – do qual é complemento originário – o importante é o corpo social, ou seja, o correspondente a uma visão corporativa e organicista da sociedade, que é o verdadeiro objeto de atenção, pois as pessoas não passam de meras células que, quando defeituosas ou incorrigíveis, devem ser eliminadas. A característica do poder punitivo dentro desta corrente é sua redução à coerção direta administrativa: não há diferença entre esta e a pena, pois as duas procuram neutralizar um perigo atual.

Em contra partida, a prevenção especial positiva, denominada assim, tendo em vista seu caráter correcional, fundamentado na ideia de ressocialização do criminoso, busca corrigir o individuo no curso da execução da pena, por intermédio de psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, os chamados ortopedistas da moral (FOUCAULT, 1999). Por outro lado, a autonomia do preso é inviolável, especialmente pelo fato de que a pena criminal preserva todos os direitos não atingidos pela privação da liberdade, fazendo com que a ressocialização somente ocorra nos casos de voluntariedade, não cabendo a imposição de tratamento penitenciário e, evidentemente, o Estado não possui o direito de melhorar as pessoas segundo critérios morais (KUNZ,1994, apud, SANTOS, 2006).

Roxin (1998, p. 22.), discorrendo acerca dos equívocos da teoria da prevenção especial aduz:

A teoria da prevenção especial não é idônea para fundamentar o direito penal, porque não pode delimitar os seus pressupostos e consequências, porque não explica a punibilidade de crimes sem perigo de repetição e porque a ideia de adaptação social coativa, mediante a pena, não se legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de considerações.

Nesse diapasão, a eficácia corretiva por meio da pena privativa de liberdade é reconhecidamente ineficaz, sendo que a prevenção não é tão eficaz diante do agente que não precisa ser ressocializado ou ter sua personalidade restabelecida para o bom convívio em sociedade.


2.3 O caráter criminógeno da pena


O sistema jurídico penal ao longo de sua história tem se mostrado verdadeiro meio de controle social, como condição básica de sobrevivência do próprio sistema social, constituído sob o mecanismo de limitação das liberdades, no disciplinamento da conduta humana e a imposição de sanção, em caso de eventual frustração das expectativas via estabilização contrafactual a posteriori (MUÑOZ CONDE, 1985). No entanto, a intervenção penal através da aplicação da pena como forma de solução de conflitos sociais, ao longo da historia tem deixado um rastro vil de violência estatal, uma vez que as penas (violência pública) constitui o capítulo da história que produziu maiores danos do que a própria história dos delitos (violência privada), porque mais cruéis e mais numerosas, e ao contrário dos delitos, as penas seriam programadas, conscientes e organizadas pelas agências de punitividade, denunciadas por Ferrajoli (2010, p.355), afirmando “que o conjunto das penas cominadas na história tem produzido ao gênero humano um custo de sangue, de vidas e de padecimentos incomparavelmente superior ao produzido pela soma de todos os delitos”.

Nesse contexto, as funções não declaradas da pena, reveladas na contenção dos marginalizados, diferentemente do discurso oficial, demonstram que “o controle social possui “uma dimensão real pela qual cumprem a função de reproduzir a realidade, e uma dimensão ilusória pela qual ocultam ou encobrem a natureza da realidade reproduzida” (Santos, 2006, p.88). No entanto, o discurso oficial da pena, assevera Carvalho (2013, p. 41) que “os discursos de justificação (teorias da pena), invariavelmente, naturalizam as consequências perversas e negativas da pena como realidade concreta”.

A pena como instrumento de contenção e solução dos conflitos penais, ao longo de sua história se mostrou fracassada, não conseguindo efetivamente cumprir seu propósito, ao menos, os do discurso de legitimação oficial. O sistema de justiça criminal ao longo do tempo foi se perdendo e aprofundando a crise na solução do conflito entre vítima e autor do fato delituoso, não satisfazendo nenhum dos interesses, muito pelo contrario, apenas infligindo dor e aprofundando o processo de marginalização do apenado.

O discurso crítico em face da teoria da pena, sistematizado por Raul Zafaronni e Nilo Batista, denominado de teoria agnóstica da pena, fundada na dicotomia estado de direito/estado de polícia, demonstram a necessidade de reformulação do sistema de justiça criminal, com elaboração de alternativa de sanção penal. Portanto, a teoria agnóstica ou negativa da pena, é acima de tudo, á negação das funções declaradas da pena criminal (retribuição e a prevenção geral e especial), por reconhecer suas falibilidades, pois “adotando-se uma teoria negativa, é possível delimitar o horizonte do direito penal sem que seu recorte provoque a legitimação dos elementos do estado de polícia próprios do poder punitivo” (ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA & SLOKAR, 2011, p. 98-94).

Nessa concepção, a teoria agnóstica da pena, descreve o poder de policia como aquele caracterizado pelo exército do poder verticalizado e autoritário, e por sua aplicação conforme o interesse hegemônico de grupo ou classe social detentora de poder; e que o modelo ideal de estado de direito, diferentemente, revela-se pelo exercício de poder horizontal e democrático, aplicados dentro de uma concepção humana fraterna, como redução ou limitação do poder punitivo do estado de policia (ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA & SLOKAR, 2011).

A noção de tratamento curativo da pena e do crime como problema individual, imbricado na denominada função de prevenção especial positiva –, evidencia o fracassado projeto corretivo da prisão (BARATA, 2002). A pena na verdade, serve para instrumentalizar o controle social, tendo em vista que suas funções declaradas, sobretudo a prevenção, paradoxalmente promovem efeito inverso de sua função, aprisionando o auto de um crime não apenas em uma cela física, mas especialmente, fincado suas raízes na marginalização social que é fomentadora de delitos.

A prevenção da pena em seu projeto de punição corretiva sofre uma série de distorções nos momentos de aplicação e execução da pena criminal. Sendo que a aplicação da pena sofre profunda interferência em face da realidade seletiva do poder punitivo, em detrimento do devido processo legal.

O sistema de justiça criminal verticalizado e autoritário, no momento de aplicação da pena, entende o crime como realidade ontológica pré-constituída, que o sistema identifica e processa; atua como exercício seletivo do poder de punir: compreende o crime como realidade social constituída pelo sistema de controle social e define a criminalização como bem social negativo; e por fim, o sistema de justiça criminal funciona como instituição ativa na transformação do cidadão em criminoso (ZAFARONE, BATISTA, ALAGIA, SLOKAR, 2011).

A execução da pena criminal, na verdade, é um processo de socialização do condenado na estrutura prisional, explica Barrata (2002, p.104) que “a prisão introduz o condenado em duplo processo de transformação pessoal, de desculturação pelo desaprendizado dos valores e normas de convivência social, e de aculturação pelo aprendizado de valores e normas de sobrevivência na prisão”. Nesse sentido, a prisão só ensina a viver na prisão, transformando o condenado em um ser prisionalizado, que posteriormente, após aprender viver no ambiente da prisão, retorna ao convivo social, em regra, para as mesmas condições sociais adversas que determinaram a criminalização anterior (SANTOS, 2006).

Na concepção de Kunz (1994, apud Santos, 2006, p.475- 4 76):

a) a privação de liberdade produz maior reincidência – e, portanto, maior criminalidade -, ou pelos reais efeitos nocivos da prisão, ou pelo controle fundado na prognose negativa da condenação anterior;

b) a privação de liberdade exerce influencia negativa na vida real do condenado, mediante desclassificação social objetiva, com redução das chances de futuro comportamento legal e formação subjetiva de uma auto- imagem de criminoso – portanto, habituado à punição;

c)a execução da pena privativa de liberdade representa a máxima desintegração social do condenado, com a perda do lugar de trabalho, a dissolução dos laços familiares, afetivos e sócias, a formação pessoal de atitudes de dependência determinadas pela regulamentação da vida prisional, alem do estigma social de ex-condenado;

d)a subcultura da prisão produz deformações psíquicas e emocionais no condenando, que excluem a reintegração social e realizam a chamada sel fulfilling prophecy, como disposição aparentimente inevitável de carreiras criminosas;

Em fim, a pena tem um papel marcante na deformação da personalidade do apenado, com o processo de desculturação e de aculturação descrito pro Alessandro Barrata, o crime é introjetado no cidadão, o condicionado como produto de nova (re)construção social, marcada pelos valores e normas de sobrevivência no cárcere, que em regra, é violento e corruptor. E por consequência desse processo, como fenômeno do labeling approach, da estigmatização, da reação social negativa a respeito daquele outsider (BECKER, 2008).

Os efeitos psicológicos causados pela rotulação são tão danosos ao indivíduo que ele se torna marginalizado e excluído da sociedade. Ele passa a entrar na carreira criminosa, conforme explica Lemert (1967, apud, BARRATA, 2002, p. 90-91):

(...) sobre o desvio secundário e sobre carreiras criminosas, põem-se em dúvida o princípio do fim ou da prevenção e, em particular, a concepção reeducativa da pena. Na verdade esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa. (...) pode-se observar, as teorias dolabellingbaseadas sobre a distinção entre desvio primário e desvio secundário, não deixaram de considerar a estigmatização ocasionada pelo desvio primário também como uma causa, que tem seus efeitos específicos na identidade social e na autodefinição das pessoas objeto de reação social (...)

Com isso, além do efeito do desvio primário (fatores sociais, culturais ou psicológicos) trazido pelas instâncias de controle sob o indivíduo marginalizado, o desvio secundário (consequência da incriminação) somente afirma essa marginalização, fazendo com que o agente infrator, excluído da sociedade pela pena privativa de liberdade, consolide seu status de criminoso que o perseguirá além dos muros da prisão.

O sistema de justiça criminal é caracterizado por uma atuação verticalizada e autoritária, que por consequência de seus elementos constitutivos, promove efeito inverso, dificultando a compreensão do autor das consequências deletérias de sua ação em face da vítima, por conta do processo de estigmatização da pena, que se revela como uma segunda violência em relação ao fato. A resposta penal, “mesmo quando rodeado de limites e de garantias, conserva sempre uma brutalidade intrínseca que torna problemática e incerta a sua legitimidade moral e política” (FERRAJOLI, p.21).

Nesse sentido, a solução dos conflitos penais, precisa necessariamente de uma reformulação que possa permitir ao criminoso, no campo de uma sanção, compreender com racionalidade os efitos de sua ação e da necessidade de reparação.


3. OS ACORDOS RESTAURATIVOS E A AUTORESPONSABILIDADE DO AUTOR DO FATO VIABILIZANDO A PREVENÇÃO DE FUTUROS CONFLITOS PENAIS


É necessário, deixa claro que o objeto central da justiça restaurativa, é o de promover a restauração através do empoderameneto da vítima, permitindo sua interferência na construção de uma resposta ao conflito penal, que viabilize a exposição de suas necessidades em face do fato e busque a reparação de danos. No entanto, as práticas restaurativas, permitem um dialogo franco entre vítima e ofensor, possibilitando assim, que além de se construir uma reparação, também seja possível ao ofensor, alcança a devida noção de responsabilidade pelos danos causados.

Na solução do conflito penal pretendido pela justiça restaurativa, o interesse da vítima assume especial posição, evidenciando na necessidade de ressarcimento do dano em face do crime, alcançado pela via da assunção de responsabilidade, pelo autor do fato, reforçando assim, o seu sentido de responsabilidade e satisfação na necessidade social de ver o conflito solucionado (SANTOS, 2014). Assim, a justiça restaurativa, ao envolver vítima e autor em uma relação de voluntariedade e conciliação, acaba por demonstrar a responsabilidade do autor (construída pelas partes, vítima/criminoso), e promovendo reinserção e devolução de confiança no sistema de proteção de bens jurídicos (prevenção especial e geral) (PALERMO, 2010, apud SANTOS, 2014).

Nesse sentido afirma, Palermo, 2010 apud Santos, 2014,p.356):

Na resposta penal, prevalece o interesse comum no não cometimento de crimes no futuro. Na resposta restaurativa, prevalece o interesse individual daqueles que estão concretamente envolvido no conflito (inter)pessoal na superação efectiva desse estado de conflito através de reparação dos danos associados ao crime.

Em face à violência da resposta penal, as propostas restaurativas na construção conjunta entre vítima e ofensor, assume um papel alternativo importantíssimo, permitindo, alcançar nos acordos restaurativos, o aprendizado, a pacificação e a reparação, restaurando não apenas as relações intersubjetivas, mas especialmente, a pacificação social estremecida com a ruptura da lei.

O paradigma restaurativo, através de seu processo de restauração e construção da solução para o conflito criminal, permite a reintegração do autor do fato de forma menos traumática, sem a estigmatização própria da justiça criminal tradicional. Nesse sentido, alguns cultores do paradigma restaurativo, compreendem que a ideia de reitntegrative shaming constitui um elemento restaurativo, em que o agente toma consciência do mal de seu comportamento, em um processo que busca demonstrar o desvalor da ação, preservando a identidade do agente como essencialmente boa (BAITHAWAITE,1992, apud, SANTOS,2014).

Assim, “shaming, só se torna reintegrative quando é seguido por esforços dirigidos à reintegração do agente na comunidade através de gestos ou de palavras de perdão ou de cerimônias para “descertificar” o agente enquanto um desviado” (SANTOS, 2014, p.366). Essa concepção demonstra que as práticas restaurativas têm como centro a desqualificação e estigmatização da ação, preservando o autor do fato da rotulação de criminoso, permitindo assim, a compreensão do mal do seu comportamento, facilitando a sua reintegração ao meio social.

Por outro lado, o sistema de justiça criminal tradicional, atua na demonstração do desvalor do autor e não somente na ação, o que dificulta a compreensão do acusado dos males de sua ação, sempre negando o fato, como forma de repelir os efeitos negativos do processo de criminalização e estigmatição violenta (SANTOS, 2014). Ainda segundo Baithawaite (1992, apud, SANTOS,2014):

a justiça restaurativa afastar-se-ia deste modelo por supor um outro procedimento para atingir distintas finalidades: através de um encontro entre todos os envolvidos, os seus próximos e os representantes da comunidade, deve manifestar-se de forma vincada a rejeição ao acto delituoso e deve sublinhar-se a necessidade de proteger a vítima e de reparar, na medida do possível, os danos por ela sofridos.

A importância da proposta restaurativa é o de permitir que o acusado, dentro do processo de construção de uma solução para o fato delituoso, sem a violência verticalizada e autoritária do sistema de justiça criminal tradicional, viabilize com mais facilidade a compreensão do desvalor da ação, e o reconhecimento de sua culpa. A justiça restaurativa tem por essência a voluntariedade e a consensualidade, facilitando assim, que as partes de forma desapaixonada aceitem a existência do fato e busque em conjunto a construção de solução para o conflito penal, construindo no acusado a senso de responsabilidade pelo fato desvinculado de uma imposição autoritária.

O sistema de justiça criminal, em que pese concentrar suas atenções no autor do fato delituoso, preterindo a vítima, paradoxalmente, não viabiliza espaço livre de dialogo com o acusado na construção de uma solução penal. Muito pelo contrário, o processo burocratizado e cheio de signos, exclui completamente a atuação direta do acusado, explicando, Zehr (2008, p.33) que “ao longo do processo uma serie de profissionais (promotores, juiz, oficiais da condicional, psiquiatras) contribuem para decidir se ele é de fato culpado de um delito definido em lei”, inviabilizando sua participação direta.

Na proposta restaurativa, é fato que as necessidades da vítima e seu empoderamento no processo de reparação, é um ponto central, no entanto, na construção de uma solução as necessidades do acusado também não podem ser negligenciadas. Assim, diante de um processo democratizado pela participação ativa das partes e também da comunidade, permite, a compreensão da extensão do dano causado pelo acusado, bem como, das dificuldades que o cerca, viabilizando o processo de responsabilização.

Nesse aspecto, a justiça restaurativa, melhor que o sistema de justiça criminal tradicional, permite ao acusado se recuperar diante do fato delituoso, compreendendo os danos causados e buscando repará-lo, e assim, se reintegrando ao seio social novamente. Esse processo das práticas restaurativas permite a responsabilização do ofensor, compreendendo a necessidade de reparação e corrigir seu erro, conforme explica Zehr (2008, p.33):

Necessidade e responsabilidade – trata-se de prestar contas a alguém por um ato cometido. Quando um dano ocorre, o causador precisa responder pelo que fez vendo as consequências naturais de seus atos. Isso significa compreender e reconhecer o dano e agir para corrigir sua situação. Há uma terceira dimensão intermediaria na responsabilização do ofensor: partilhar da responsabilidade de decidir o que precisa ser feito.

O sistema de justiça criminal, como já exposto aqui, não permite um dialogo amplo que possa envolver as partes afetadas pelo fato, agindo de forma verticalizada e autoritária, com revela Passos e Penso (2009, apud, TIVERON, 2014, p. 137) é o “único detentor dos saberes que importam na relação, é o dono do discurso, é o que fala, o intangível que se põe à disposição”. Por outro lada, a justiça restaurativa se mostra democrática, trazendo para o processo as partes envolvidas, vítima, ofensor e comunidade, construindo conjuntamente e protagonizando uma reação ao conflito, que observa as necessidades de seus interessados, viabilizando reais chances de reintegração social do ofensor.

As práticas restaurativas é um local de reconhecimento recíproco, permitindo que as partes em uma proposta terapêutica, se reconheçam reciprocamente, entendendo a dor desencadeada pelo crime, e através de seu envolvimento ativo no processo, além da reparação, provoque autoresponsabilidade do ofensor. Diferentemente do método tradicional, “sua participação é direta e todos tem a oportunidade de contar suas historias e expressar suas dores emocionais e psicológicas” (TIVERON, 2014, p.171), demonstrando ao réu quem é a vítima e as consequências sofridas pelo fato.

É possível afirma que a justiça restaurativa, em que pese ter por objeto a vítima, dignifica também o ofensor, na medida em que, fora da ritualista da justiça tradicional, dá voz ao acusado para expor sua dor e, especialmente entender a dor causada por seu ato, livrando-se da culpa e do ressentimento gerados pelo crime. Sendo assim, ao promover os encontros face a face, o ofensor se descobre responsável, há o “desnudamento da pele exposta à ferida e à ofensa, para além de tudo aquilo que se possa mostrar para além de tudo aquilo que pode expor-se à compreensão” (LÉVINNAS, 2012, apud TIVERON, 2014, p.175).

A proposta restaurativa permite ao ofensor se colocar no lugar da vítima, gerando empatia com os demais (vítima/comunidade). As histórias compartilhadas pelas partes permitem a observação dos sentimentos, necessidades e o dever de reparação, a responsabilidade pelo outro, desenvolvendo também, nos casos de marginalização, o sentimento de pertencimento e reencontre de seu papel na comunidade. Nesse sentido, os processos de mediação, tem demonstrado eficácia na composição do conflito, alto nível de comprometimento do ofensor no cumprimento dos acordos e na evitação de reiteração delitiva.

Assim, em relação à prática restaurativa através da mediação, Pallamolla (2009, p.111) expõe o seguinte:

Com relação aos ofensores, os que completaram o processo restaurativo costumaram cumprir as obrigações de restituição, possuindo, igualmente, um menor índice de reincidência quando comparados aos infratores que passaram pelo processo penal tradicional. E quando houve reincidência, oram delitos menos graves, diferentemente da reincidência daqueles que tinham passado por um julgamento tradicional.

Diferentemente dos resultados do sistema de justiça criminal, a satisfação em relação aos acordos restaurativos variam entre 75 a 100 por cento, e com relação à reincidência, em que pese ser muito cedo ainda para tirar conclusões, bem como pela escassez de pesquisa, alguns pesquisadores acreditam que houve uma redução e que se for analisado em conjunto os diversos programas restaurativos, a redução assume maior relevância (KURK, 2003, apude, PALLAMOLLA, 2009, p111).

Nesse sentido, em relação à mediação, Schiff (2003, apud PALLAMOLLA, 2009, p.112):

resultados mais positivos em termos dimensionais, quando comparados a ofensores processados pelos mecanismos tradicionais; quando não forem encontrados resultados positivos, a pesquisa normalmente não mostrou resultados piores do que aqueles experimentados no processamento de ofensores pelos tribunais.

Portanto, do mesmo modo que a justiça penal pretende que o ofensor reveja suas condutas, assuma suas responsabilidades e um comportamento adequado à sociedade, assim também visa à justiça restaurativa. Todavia, as práticas restaurativas têm convencido cada vez mais que a justiça penal não é um modelo adequado como forma de responsabilização do criminoso e pretende-se uma forma mais justa de reação ao crime.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Antes de traçar algumas considerações, é importante destacar que o presente trabalho buscou fazer uma análise ainda bastante preliminar dos aspectos de uma proposta restaurativa na solução dos conflitos criminais, evidenciando a possibilidade do seu alcance, da almejada prevenção do delito. Trata-se muito mais de um convite a reflexão e ao debate as novas formas de controle da criminalidade do que a fixação de conclusões absolutas.

1. A Justiça Restaurativa é responsável pelo reencontro da vítima no âmbito da justiça criminal, permitindo-lhe o devido respeito e à atenção há muito anos perdidos, garantindo assim, sua participação ativa na tomada da solução para o conflito penal. Nesse sentido, com uma maior participação da vítima, é possível a compreensão da real dimensão da ofensa penal em seu desfavor, bem como, perceber sua dor e suas necessidades na busca de reparação.

3. O sistema de justiça criminal tradicional, ao longo dos tempos se esqueceu da real necessidade das vítimas, agindo exclusamente preocupada com o ofensor, mas sempre com um olhar autoritário e verticalizado. Sendo assim, a pena privativa de liberdade, único instrumento conhecido pelo direito penal tradicional, ao longo dos anos, vem se mostrando catastrófico em seu papel declarado, de prevenir a ocorrência do delito, servindo apenas para aprofundar a marginalização.

4. A proposta restaurativa traz para a resolução do conflito penal, a participação das partes envolvidas, permitindo o dialogo dissociados da carga negativa da atribuição de culpa, o que permite ao ofensor compreender o caráter de sua ofensa, sob a perspectiva mais humanizada, por meio do conhecimento da vítima e das consequências do seu ato. A autoresponsabilização do ofensor pode ser uma porta alternativa para a sua reintegração social, a compreensão de seu ato e o reconhecimento da necessidade de reparar a ofensa causada, é meio menos estigmatizante e gera para o ofensor a sensação de pertencimento da comunidade.

5. Nesse sentido, a justiça restaurativa surge como alternativa a resposta penal, que através da voluntariedade e da consensualidade, a solução para os conflitos conseguem atender as partes sem a gerar o sensação de revanchismo, por conseguinte, dignificando o ofensor, pois o desvalor ressaltado é o do ato, e não do autor do Fato.


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