Sistema Comunitário de Prevenção ao Branqueamento de Capitais


Ricardo do Espírito Santo Cardoso Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2006).
Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito em parceria com o JusPodivm (2008), Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais em parceria com Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu – IDPEE (Universidade de Coimbra/Portugal) (2010). É professor de Direito Processual Penal na Faculdade Maurício de Nassau

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo elaborar uma breve análise acerca do sistema de repressão ao branqueamento de capitais denominado de sistema comunitário de prevenção ao branqueamento de capitais através da incriminação de condutas neutras, que é o conjunto de normas jurídicas, elaboradas a partir de convenções internacionais, impulsionados pela necessidade de construir um sistema eficaz no combate à reciclagem de capitais. O atual contexto histórico vivenciado no cenário internacional promoveu o desenvolvimento, em alta velocidade, da prática da lavagem de capitais, delito auxiliar dos crimes relacionados à criminalidade organizada, especialmente o tráfico de drogas. O desenvolvimento socioeconômico e o estreitamento das relações financeiras entre países facilitaram o crescimento da utilização da lavagem de capitais para ocultar e dissimular a origem ilícita de bens e valores, ocasionando sérios danos à ordem legal.

Nesse contexto, surge a necessidade de desenvolver um sistema eficaz de prevenção ao branquemanto de capitais onde foram agregados diversos setores profissionais para auxiliar no rastreamento da origem de capitais inseridos na economia formal. O branqueamento de capitais caracteriza-se por ocultar a origem ilícita de bens e valores, portanto, a prevenção a esse tipo de delito, necessita do rastreamento dos passos percorrido pelo capital ilícito na introdução da economia.

Diante disso, foi desenvolvido um sistema preventivo em que gerou uma série de obrigações e deveres, no sentido de identificar e informar toda operação financeira suspeita. Essas obrigações foram destinadas a agentes externos ao sistema de investigação, trazendo para persecução criminal a atuação de agentes financeiros, contabilistas, profissionais ligados à área econômica de um modo geral, até mesmo da advocacia.

Dessa forma, pretende-se analisar brevemente as conseqüências ocasionadas com a normatização de deveres e obrigações, criando sanções e a possível criminalização de ações neutras no auxilio à fiscalização e prevenção ao branquemanto de capitais.

2. O FENOMENO DO BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS

2.1 Considerações gerais

Na seara internacional, o fenômeno da globalização e o estreitamento das relações socioeconômicas entre países, aliadas ao alto desenvolvimento tecnológico, o progresso da informática e o avanço da comunicação global, promoveram a internacionalização da economia. Sendo assim, as transações financeiras se tornaram mais céleres e menos burocráticas e, nessa atmosfera, o fenômeno do branqueamento de capitais, encontra campo fértil e se desenvolve em alta velocidade, provocando um movimento internacional de criminalização de condutas relacionadas a esse tipo de delito.

O delito do branqueamento de capitais, em que pese não ser um fenômeno recente, ganhou importância e atinge níveis elevadíssimos de desenvolvimento na atualidade, especialmente por conta do contexto histórico de desenvolvimento globalizado e, especificamente, pela expansão da prática de tráfico de drogas. Diante disso, há uma preocupação internacional de promover o combate ao branqueamento de capitais, tendo como instrumentos jurídicos mais importantes para impulsionar a prevenção a esse tipo de delito, a Convenção das Nações Unidas contra o Trafico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena), de 19 de dezembro de 1988; a Convenção do Conselho da Europa (Convenção Strasbourg), de 8 de novembro de 1990, e a Directiva n. 91/308 do Conselho da Comunidade Européia, de 10 de julho de 1991.

Em função disso, as convenções foram responsáveis por “darem corpo às preocupações internacionais face ao branqueamento de capitais e à criminalidade organizada e construíram marcos essenciais no combate a esses fenômenos. Nelas se prescrevia a necessidade de adopção de uma reacção de natureza penal ao problema da reciclagem de dinheiro.” (BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema comunitário de prevenção, p. 61.) O branqueamento de capitais surge com uma prática cada vez mas universalizada, verdadeiro delito transnacional, fruto da sociedade pós-industrializada, em franco processo de unificação das relações socioeconômicas.

Nesse contexto, afirma Luiz Regis Prado:

“Assim, técnicas de lavagem de dinheiro ou capitais têm evoluído, adaptando-se de modo contínuo à liberalização e a desregulamentação dos mercados bem como à globalização financeira. Em se abrindo e se internacionalizando, o sistema financeiro oferece ao dinheiro de origem ilícita lugares mais secretos, circuitos mais rápidos, rendimentos mais atrativos.” (PRADO, Luiz Regis.Direito penal econômico, p.405.)


Diante desse cenário de flexibilização das relações econômicas e da necessidade de combater o branqueamento de capitais, surge um movimento internacional cada vez mais forte no sentido de promover a uniformização das normas que combatam a reciclagem de capitais, uma vez que o relacionamento no âmbito das transações fiscais se universaliza de forma vertiginosa propiciando a prática delitiva.

No escólio de Marcos Antonio de Barros:

“a grande massa desse crimes ultrapassa o espaço territorial, marítimo e aéreo da soberania de qualquer Estado. Por isso, a colaboração internacional se tornou medida imprescindível para obtenção de êxito no combate à criminalidade organizada, pois ninguém pode negar que o processo gerado na área da modernidade tecnológica definitivamente tornou as distâncias e as fronteiras quase invisíveis.” (BARROS, Marcos Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p.44.)


Nesse sentido, o que se observa é o alargamento da prática do delito de reciclagem, com a utilização de transações financeiras cada vez mais internacionalizadas, o que exige dos Estados uma resposta uniforme, ou seja, surge a necessidade de um instrumento jurídico-penal capaz de possibilitar o combater dessa prática delitiva.

Assim, explica Nuno Brandão:

“Como vem sendo recomendado por todas as instâncias internacionais que estudam e procuram combater o fenômeno do branqueamento de capitais, a reciclagem de bens provenientes, pelo menos, do tráfico de estupefacientes encontra-se já criminalizado num grande número de países. Com efeito, tem existido um largo consenso internacional quanto à necessidade premente de adoptar uma resposta global ao problema do branqueamento. Vem-se constatando que o branqueamento de capitais é como que o lado negro do processo de globalização, da liberalização das trocas internacionais e dos movimentos de capitais, da abertura dos mercados financeiros, da maciça informatização e do comercio eletrônico.” (BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema comunitário de prevenção, p.16.)


O branqueamento de capitais nada mais é que introduzir no mercado bens e valores de origem ilícita, mascarando sua origem, procurando dar-lhe uma aparência legal, ou seja, é um conjunto de operações comerciais ou financeiras que tem por finalidade a introdução, na economia, de modo transitório ou permanente, de valores ou bens de origem ilícita para dar-lhes a suposta aparência de legal. O delito realiza-se por meio de um processo trifásico, independente e simultâneo, denominados de colocação, dissimulação e integração.

Segundo os ensinamentos de Nuno Brandão:

“O branqueamento de capitais é a actividade pela qual se procura dissimular a origem criminosa de bens ou produtos, procurando dar-lhes uma aparência legal. As operações de branqueamento podem assumir as mais variadas formas, mas passam geralmente por 3 fases. Num primeiro momento, designado por colocação (placement stage), procura-se colocar os capitais ilícitos no sistema financeiro ou noutras actividades; para, numa segunda fase, chamada de transformação (layering stage), realizar as operações necessárias a ocultar essa proveniência criminosa; e num terceiro momento, o da integração (integration stage), introduzir os capitais no circuito econômico legal.” (BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema comunitário de prevenção, p.15.)


No ordenamento jurídico brasileiro, o delito de branqueamento de capitais é disciplinado pela Lei 9.613/98, que tipifica em seu art. 1º a conduta delituosa com aquela de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, da prática de delitos. Entretanto, diferentemente de algumas legislações alienígenas, o delito de branqueamento de capitais no Brasil, somente se configura, quando os bens e valores são de origem ilícita de delitos específicos, ou seja, no art. 2º da Lei 9.613/98, existe um rol taxativo de delitos que são os chamados crimes antecedentes que quando os proventos dessa prática delitiva são inseridos na economia de forma dissimulada, caracteriza a realização da reciclagem de capitais.

Essa modalidade delitiva encontra uma diversidade muito grande de denominações, variando de país para país. Assim, Portugal, Espanha, França e Bélgica, por exemplo, adotam a denominação “branqueamento de capitais” – blanqueo de capitales e blanchiment d’argent, já a Itália adota a denominação riciclaggio di denato sporco, o que seria reciclagem de dinheiro sujo. No Brasil, em consonância com o direito norte-americano, é adotada a terminologia “lavagem de dinheiro” originário da prática de algumas organizações criminosas que introduzia os ganhos ilícitos em lavanderias para dissimular a origem do dinheiro.

Analisando a natureza do delito de branqueamento de capitais, pode-se perceber semelhança muito grande com um simples exaurimento de um delito, “a lavagem de dinheiro, como espécie do gênero criminológico que compreende a ação de ocultar a prática de outra infração, não apresenta novidade”.(MASSUD, Leonardo e SARCEDO, Leandro. Lavagem de Dinheiro: Do Contexto Histórico à atualidade e sua criminalização pela legislação brasileira. Leis Penais Comentadas, p.399.) Toda pratica delitiva é conjugada com o desejo de ocultação da autoria e do aproveitamento das vantagens adquiridas com o crime.

Nesse sentido, ressalta Leandro Massud e Leandro Sarcedo:

“O que se apresenta como novo é o contexto social, econômico e cultural que fez gerar a necessidade de criação não só de um tipo penal autônomo para punir criminalmente a lavagem de dinheiro, mas também da adoção de medidas político-administrativas para coibir a prática, já não tão nova assim, de ocultação pela transformação de bens e direitos econômicos de origem ilícita em outros de caráter legal” (MASSUD, Leonardo e SARCEDO, Leandro. Lavagem de Dinheiro: Do Contexto Histórico à atualidade e sua criminalização pela legislação brasileira. Leis Penais Comentadas, p.399.) Perante o contexto atual, com o alto desenvolvimento socioeconômico e o a velocidade das transações financeiras, o que possibilita um enriquecimento ilícito através da prática de introduzir bens e valores de origem delituosa na economia formal e sua suposta transformação em dinheiro lícito, gerou-se a necessidade de incriminação de uma conduta que, de modo simplificado, nada mais é que a simples ocultação do delito antecedente e o aproveitamento do lucro delitivo.


2.2 Origem do delito de branqueamento de capitais e antecedentes históricos

O branqueamento de capitais, como já foi dito anteriormente, é fruto de uma sociedade pós-industrial fomentada pelo alto desenvolvimento tecnológico e pelo processo de globalização de mercados econômicos. Esse fenômeno não é uma conduta fruto do acaso, mais sim, do desenvolvimento do pensamento criminoso, que encontrou uma forma mais sofisticada de utilização de bens e valores de origem ilícita.

Vale salientar que, o fenômeno do branqueamento de capital não é uma prática delitiva recente, pois acontecimentos remotos do século passado são anotados pela literatura como sendo fatos embrionários desta modalidade criminosa (BARROS, Marcos Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p.40.).

No período das décadas de 20 e 30, surgiram condutas voltadas à dissimulação de bens ilícitos, na plena atividade da máfia norte-americana, onde mafiosos investiram seu capital, este de origem ilícita, em lavanderias locais, a fim de dar origem lícita ao dinheiro oriundo da atividade criminosa(RAMOS, Samuel Ebel Braga. Lavagem de dinheiro: Aspectos históricos e processo de branqueamento de capitais, retirado do site WWW.jurisway.org.br em 06.11.2010.).

Nesse contexto histórico, podemos apontar que a primeira legislação prevendo a criminalização do delito de branqueamento de capitais, surge na Itália, e esta previu, inclusive, como crimes antecedentes, outras figuras delitivas além do trafico de drogas. No Brasil, o primeiro diploma legal que estabeleceu o branqueamento de capitais como delito autônomo e pontuou as figuras típicas como crimes antecedentes ocorreu após a realização à Convenção de Viena, gerando a Lei 9.613 de 1998, e no âmbito do Ministério da Fazenda, o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), tendo a finalidade de aplicar sanções administrativas.

O delito de reciclagem de capitais foi disciplinado de varias formas no âmbito internacional, tendo sido definido como de diferentes gerações; classificam-se como os de 1ª geração, aqueles que punem o branqueamento de capitais cujos bens e valore ilícitos sejam provenientes do tráfico ilícito de entorpecentes; os de 2ª geração são aqueles que prevêem como delitos antecedentes o trafico ilícito de entorpecentes e alguns outros delitos previamente estabelecidos em um rol taxativo; e os de 3ª geração seriam aqueles que adotam uma lista em aberto, ou seja, qualquer delito seria crime antecedente para a caracterização do branqueamento de capitais.

O desenvolvimento das legislações acerca do delito de branqueamento de capitais está relacionado às peculiaridades vivenciadas por todos os pais no âmbito das organizações criminosas existentes. No escólio de Leonardo Massud e Leandro Sarcedo, a Itália foi o primeiro pais a legislar especificamente a lavagem de capitais em razão da experiência vivenciada no enfrentamento da criminalidade organizada.

Vejamos o que diz Leonardo Massud e Leandro Sarcedo:

“A aparente precocidade legislativa dos italianos é facilmente explicável pelas peculiaridades vivenciadas por aquele país no enfrentamento da criminalidade. Afora as quadrilhas ou bandos, sempre presentes aqui ou ali ao longo da historia, a primeira grande organizações ou estruturas criminosas apareceram no território italiano, representadas, sobretudo pela Cosanostra, Camorra e Ndrangheta, sediadas na Sícilia, Nápole e na Calabria, respectivamente.


Daí o porquê de a Itália ter percebido, antes dos demais países, que conhecer o percurso econômico-financeiro e o ataque ao patrimônio ilícito gerado por tais atividades seria um grande remédio para uma ação eficaz na luta contra as organizações de caráter mafioso.”(MASSUD, Leonardo e SARCEDO, Leandro. Lavagem de Dinheiro: Do Contexto Histórico à atualidade e sua criminalização pela legislação brasileira. Leis Penais Comentadas, p.402.) Nesse contexto, percebe-se que a criminalização da lavagem de capitas, considerado e disciplinado como um delito autônomo, surge no cenário internacional impulsionando a criação de legislação especifica após a realização da Convenção de Viena, instrumento que tinha como preocupação central o combate ao tráfico ilícito de entorpecentes. É com a realização da Convenção de Viena e a ratificação de suas diretrizes pela comunidade internacional, inclusive o Brasil, que surge o interesse pelo combate através de legislação especifica ao delito de branqueamento de capitais.

Após a realização da dita convenção, que tinha como objetivo traçar diretrizes a acerca do combate ao tráfico de drogas, gerou-se a necessidade do combate proeminente ao branqueamento de capitas, e, é com a Convenção do Conselho da Europa em 08 de dezembro de 1990, e com a Directiva ou Diretriz da União Européia em 10 de junho de 1991, é que o combate a reciclagem de capitais ganha força e passa a observar como delitos antecedentes não só o trafico de drogas, mas também a abrir o rol de crimes antecedentes e perceber a necessidade da uniformização do combate ao branqueamento de capitais.

2.4 Processo de construção do branqueamento de capitais

O Branqueamento de capitais se concretiza através de meios dissimulatórios na introdução de bens e valores de origem ilícitas na economia, com o intuito de fraudar sua natureza e gerar o falso aspecto de licitude destes valores. Esse processo é caracterizado pro três fases distintas; inicia-se pela colocação de bens ou valores na economia, segui-se com a mascararão da sua origem através de processos fraudulentos e, por fim, concretiza-se com a integração junto à economia daqueles bens ou valores fruto de um ilícito.

O processo de desenvolvimento da reciclagem de capitais é composto por três fases distintas, quais sejam, colocação, dissimulação e integração. Esse processo é muito bem definido por Marco Antonio de Barrso em seu livro Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas, definido da seguinte forma:

A colocação, também chamada de ocultação ou introdução, em linguagem internacional conhecida como fase do placement, consiste na ocultação ou escamoteação dos ativos ilícitos. Busca-se o distanciamento dos bens, direitos ou valores provenientes do crime antecedente.

Na segunda etapa do processo de “lavagem” pratica-se a dissimulação, também conhecido por cobertura (layering), acumulação (empillage), controle, circulação, estratificação e transformação, maquiar a trilha contábil (ou trilha do papel – paper trail), ou seja, disfarçar o caminho percorrido pelos ativos provenientes do crime antecedente.

A integração (integration), fase que corresponde à própria finalização da “lavagem”. Com a aparente licitude decorrente do cumprimento das etapas anteriores, os lucros e os bens criminalmente obtidos são novamente introduzidos na economia legal ou no sistema financeiro. Isto geralmente se dá com a criação ou investimento em negócios lícitos, ou ainda mediante a aquisição de bens em geral (imóveis, obras de arte, ouro, jóias, ações, embarcações, veículos automotores etc.) sendo o capital, com aparência lícita, reaplicado nos setores econômico, financeiro e produtivo do país, tal como ocorre nas operações de fundos legítimos.(BARROS, Marcos Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98, p.48 a 49.)


Nesse diapasão, a realização do delito de branqueamento de capitais é uma conduta complexa que envolve uma série de artifícios financeiros com o intuído de introduzi bens e valores de origem ilícita na economia formal, dissimulando a natureza desses bens, afim de que sejam utilizados como proventos lícitos. Assim, o processo trifásico de colocação, dissimulação e integração de bens ilícitos na economia formal é o que caracteriza o delito de branquemanto de capitais, ou seja, o modo pelo qual essa conduta delitiva é praticada.

3. SISTEMA DE PREVENÇÃO AO BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS

A reciclagem de capitais representa uma evolução da prática criminosa que atinge níveis altíssimos de sofisticação na ocultação da origem ilícita de capitais e que, no contexto internacional, envolve cada vez mais diferentes Estados. Sendo assim, a repressão a esse tipo de delito impulsiona a construção de uma rede sofisticada de prevenção, gerando a necessidade dos Estados se aliarem e uniformizarem a repressão ao crime, que se internacionaliza em alta velocidade. Nesse contexto, o combate à lavagem de capitais exige um sistema de investigação muito moderno, para além dos ultrapassados métodos convencionais, surgindo assim a necessidade de criação de obrigações a diversos setores profissionais no auxilio ao combate do delito de reciclagem.

A repressão ao branqueamento de capitais, como já afirmado anteriormente, surge através da idéia de que o crime poderia ser combatido desde que se seguisse a origem do dinheiro, o chamado “follw the Money” (siga o dinheiro). Portanto, no combate ao crime de ocultação de ativos é obrigatório e imprescindível o rastreamento da origem dos bens e valores que são introduzidos na economia formal, surgindo a necessidade da criação de deveres de informação a profissionais que atuam em setores ligados ao sistema financeiro, ou seja, a prevenção exige a colaboração de agentes externos auxiliando na fiscalização do crime de lavagem.

O sistema de prevenção, no atual contexto da globalização econômica e a conseqüente evolução da prática do crime em análise, além da utilização de métodos convencionais de investigação criminal faz surgir também a necessidade de incrementar os meios de investigação e fiscalização, promovendo a sofisticação desses métodos, gerando obrigações de colaborarem com a persecutio criminis ao sistema bancário, aos agentes financeiros, contabilista, setores ligados à comercialização de jóias e artes, bem como a advogados e outros profissionais que atuam direta ou indiretamente no sistema econômico de um modo geral.

3.1 A Política Criminal no combate ao branqueamento de capitais

A política criminal de repressão aos métodos de ocultação e dissimulação da natureza ilícita de ativos com a finalidade de introduzi-los na economia formal, cada vez mais, vem ganhando força no sentido de uniformização/internacionalização do seu combate. Sendo assim, as convenções internacionais subscrita pelos membros da União Européia e por diversos países, incluindo o Brasil, criam diretrizes em que seus signatários se comprometem a formularem diplomas legais capazes de combater a lavagem de capitais.

A internacionalização do combate a esse tipo de crime, segundo Rodrigo Sánchez Rios, também é fruto dos novos desafios da ciência jurídico-penal ressaltados por Roxin, que chama a atenção para a superação de uma leitura estritamente nacional desta ciência.

Nesse sentido, Rodrigo Sánchez Rios preleciona o seguinte:

[...] Qualquer reforma da dogmática penal e da política criminal só terá sentido a partir de bases supranacionais. Nesse diapasão, a doutrina constata que os efeitos da globalização também alcançam a normativa penal, pois a criminalidade transnacional, cujos efeitos atingem o tecido sociopolítico e econômico de diversas nações, implica uma progressiva uniformização dos tipos penais e uma maior cooperação política e judicial entre os diversos países, além da recepção de diversos documentos internacionais [...] (RIOS, Rodrigo Sánchez. A política criminal destinada à prevenção e repressão de Lavagem de dinheiro. P.262 263.) O movimento de combate ao delito de reciclagem ganha notoriedade internacional com a realização da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecente e Substâncias Psicotrópicas, de 20 de dezembro de 1988, a conhecida Convenção de Viena. Tal convenção tinha como propósito estabelecer diretrizes de combate ao tráfico de drogas ilícitas e, por conseqüência, atingia a reciclagem de capitais por ser a principal atividade de camuflagem dos proventos oriundos do tráfico de substâncias ilícitas.


Nas ultima décadas, percebe-se a movimentação no sentido de promover o isolamento econômico dos agentes criminosos, destacando a importância dos aspectos financeiros no combate à criminalidade organizada, em especial, o trafico de drogas. Nesse sentido, o combate à reciclagem representa a antecipação, prevenção ao delito organizado, no sentido de retirar o poder econômico através do aproveitamento dos lucros advindos da prática de crimes. Nesse contexto, a reciclagem de capitas surge como uma modalidade criminosa que não respeita fronteiras, obrigando um movimento uniformizado da comunidade internacional na busca de um sistema repressor eficaz. Sendo assim, surgem no âmbito internacional instrumentos jurídicos voltados, especificamente, à reciclagem de ativos, sendo os de maior relevância a Convenção do Conselho de Europa sobre a lavagem e as Diretrizes da União Européia, 2001/97/CE de 04 de dezembro de 2001 e a 2005/60/CE de 26 de outubro de 2005.

As convenções posteriores à Convenção de Viena passaram a se preocupar, especificamente, com o delito de lavagem, pois seria uma prática delitiva acessória e responsável pelo exaurimento e o conseqüente aproveitamento das vantagens advindas deste crime, o que determinou a adoção de medidas importantíssimas, tendo em vista que foi responsável por estabelecer diretrizes no desenvolvimento ao combate ao branqueamento, determinando a importância de se promover a identificação, prevendo embargo e confisco dos benefícios econômicos derivados do delito.

Com esse novo cenário, a busca de outros setores profissionais no auxilio a repressão da reciclagem, em especial os deveres especiais de diligência ao sistema bancário, que seriam responsáveis pela análise sobre seus clientes e suas transações financeiras são integradas às políticas de prevenção ao crime. Entretanto, o combate à lavagem, diante de seu alto desenvolvimento e de eu complicado polimorfismo, traz, cada vez mais, a necessidade de ampliação dos agentes auxiliadores, e os diplomas internacionais criam regras em que são incluídos novos profissionais no sistema preventivo. Os agentes bancários foram os primeiros incluídos na prevenção à reciclagem, especificamente por estarem ligados diretamente ao mercado financeiro e pelo fato de que no processo trifásico da lavagem, o ato inicial da colocação de ativos ilícitos na economia formal, geralmente se inicia em instituições financeiras.

Nesse sentido preleciona Rodrigo Sánchez Rios:

“É compreensivo que a medida inicial de prevenção ao branquemanto de capitais seja a imposição ao sistema bancário e instituições de crédito – um especial dever de diligencias (due dilligence) na identificação do seu cliente e na comunidade de operações suspeitas. As legislações penais modernas contam com dispositivos dessa natureza, e não poderia ser diferente com a nossa Lei n. 9.613, nos artigos 9º, 10 e 11.” (RIOS, Rodrigo Sánchez. A política criminal destinada à prevenção e repressão de Lavagem de dinheiro. P.266 a 267.)


Vale pontuar que, a política criminal de combate à lavagem de capitais não se limitou apenas em incluir o sistema bancário e os agentes financeiros de um modo geral, no aparelho preventivo, gerando assim, a necessidade de inclusão de outros agentes auxiliares. Nesse sentido, a política exclusivamente repressiva de combate à lavagem, diante das fases de elaboração do delito, verificando o auxilio jurídico especializado como o intuito de driblar os controles de identificação, passaram a alargar deveres de informação incluindo setores não financeiros e também os profissionais das áreas jurídicas, ou seja, os advogados.

3.2 Diretrizes Internacionais e os deveres impostos

Como referimos no início desse trabalhão, as operações de branqueamento adquirem formas cada vez mais complexas e são levados a cabo de um modo cada vez mais rápido e difuso, são aqueles a quem os branqueadores recorrem para realizar as suas operações que estão em melhor posição para detectar essas actividade (BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema Comunitário de Prevenção. P.32.). Nesse caso, a criação de obrigações a pessoas físicas e jurídicas, como o dever de auxiliar os órgãos de investigação no combate à lavagem, ganha força e passa a permear todos os diplomas legais.

A diretiva 91/308/CEE teve o objetivo de criar uma série de obrigações, formando um quadro de medidas de prevenção à reciclagem de capitais, que privilegiou a vinculação de entidades financeiras atribuindo-as obrigações e deveres de informação. Esse diploma influenciou alguns países europeus em suas políticas de repressão à lavagem de capitais. Em Portugal, por exemplo, houve a criação dos deveres de informação aos agentes financeiros, mas sem criminalizar seu descumprimento, impondo pesada multa, as coimas, e uma serie de sanções acessórias. Já em outros países, como no Reino Unido, Irlanda e na Dinamarca, o descumprimento das normas impostas aos agentes financeiros foram criminalizados.

No escólio de Nuno Brandão:

A Directiva 91/308/CCE teve por objetivo a criação de um quadro de prevenção de operação de branqueamento de capitais que passou fundamentalmente pela vinculação das entidades do sistema financeiro a um determinado conjunto de deveres. O sistema instituído pela Directiva foi essencialmente transporto para o ordenamento jurídico português pelo Dec.-Lei n.º 313/93, de 15 de setembro, que, quando à definição das obrigações que passariam a impender sobre os seus destinatários, não trouxe novidades significativas em relação ao regime já definido na Directiva. (BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema Comunitário de Prevenção. p.25.)


O combate ao branqueamento de bens e valores, tanto no âmbito internacional quanto na seara jurídica brasileira, se desenvolve na atualidade unidos na agregação de agente auxiliar ao sistema de prevenção. Assim, existe um movimento normatizando uma série de deveres de colaboração aos agentes financeiros e bancários, a profissionais que atuam direta ou indiretamente com o mercado econômico, englobando contabilistas, agentes do mercado de artes e jóias, bem como, a advocacia.

3.2.1 O dever de identificação

O dever de identificação, é uma obrigação fundamental no combate ao branqueamento, é o principio “conheça seu cliente”, que é o dever de efetuar um banco de dados com a identificação completa de todos os clientes, daqueles que possuem uma relação comercial duradoura com a entidade financeira, através da abertura de uma conta ou do uso do serviço de guarda valores; mas também dos clientes ocasionais, que realizam transações avulsas (BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema comunitário de prevenção. p.34.). Segundo a dictiva 91/308/CEE, as entidades financeiras só estariam obrigadas a identificar o cliente se o valor da operação ultrapassar determinado montante, o que seria 15.000 euros; já o Dec. – Lei nº 313/93 português seria o valor de 12.469,95 euros.

3.2.2 Deveres de exame, comunicação e informação

O sistema de prevenção à reciclagem de capitais exige, além do dever de identificação, os deveres de examinar as operações financeiras para averiguar as suspeitas e posteriormente efetuar as comunicações e informações das operações aos órgãos competentes pelo combate dessa prática criminosa.

Segundo Nuno Brandão:

Na alternativa entre tornar a denúncia de operações suspeitas como um direito das instituições financeiras ou como um dever, a Directiva optou muito claramente pelo segundo termo, impondo um dever de colaboração com as autoridades de luta contra o branqueamento que se traduz na obrigação de lhes comunicar, por iniciativa própria, quaisquer facto que possam constituir indícios de operações de branqueamento de capitais.”(BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema comunitário de prevenção. p.38.)


As obrigações impostas aos agentes colaboradores são um dever, ou seja, toda instituição financeira e os demais colaboradores, necessariamente, precisam efetuar um exame das transações financeiras e, em seguida, promoverem a comunicação das operações suspeitas.

4. INCRIMINAÇÃO DAS AÇÕES NEUTRAS NO SISTEMA DE PREVENÇÃO AO BRANQEAMENTO DE CAPITAIS

O sistema comunitário de prevenção ao branqueamento de capitais normatizou o auxílio de uma série de condutas lícitas, fomentadas pelo direito, criando obrigações e deveres de auxílio no combate da lavagem de bens e valores. Assim, há a intenção de inserir no aparelho repressivo, agentes financeiros e bancários, contabilistas, agentes do mercado de arte e jóias, incluindo a advocacia consultiva.

Nesse diapasão, as obrigações e deveres de identificação e comunicação de operações financeiras suspeitas foram normatizados nos diplomas legais de repressão à lavagem, estabelecendo sanções aos agentes auxiliares para os casos de descumprimento. Analisando a normas de combate à ocultação de ativos ilícitos, percebe-se um movimento no sentido de criminalizar condutas neutras, ou seja, condutas lícitas, fomentadas pelo direito, mas que, por serem fundamentais no auxílio à fiscalização da criminalidade, recaíram sobre o dever de auxiliar na prevenção delitiva.

Percebe-se que o alto nível de desenvolvimento dos métodos de dissimulação e ocultação de bens e valores ilícitos, gerou a necessidade de alargamento dos procedimentos de investigação criminal e, conseqüentemente, a busca de auxiliares alheios ao sistema investigatório policial, demonstrando assim, que a utilização de agentes externos reflete a transferência de um dever de investigação, a setores alheios ao sistema repressivo estatal. Esse comportamento, em que pese ser de extrema utilidade à fiscalização e coerção da reciclagem, traz com plano de fundo um problema não discutido, que é o processo de incriminação de condutas neutras.

As ações neutras são um tema não muito bem explorado pela doutrina brasileira, o que torna difícil uma discussão aprofundada acerca desse tema, tendo em vista o pouco material acadêmico produzido e a importância de sua abordagem nos estudos do crime de reciclagem de dinheiro. O sistema de prevenção, através do método de incorporação de agentes ligados direta ou indiretamente ao setor financeiro ou ao mercado econômico de um modo geral, exige uma análise aprofundada dos reflexos na utilização de ações neutras, perquirindo a possibilidade de incriminação de condutas.

É importante estabelecer qual é o limite do permitido na realização de uma tarefa cotidiana ou profissional, melhor ainda, o estudo das ações neutras envolve a punibilidade de uma participação que permite o estabelecimento do limite entre a participação punível de uma determinada conduta que a princípio é lícita e a participação não punível. Segundo José Danilo Tavares Lobato, no estudo das ações neutras, o principio da legalidade penal está em pauta, assegurando e preservando um dos pilares fundamentais do Estado de Direito (LOBATO. José Danilo Tavares. Ações neutras - Algumas notas corretivas para o debate brasileiro. Boletim IBCCRIM, ano 18, n.216, São Paulo: IBCCRIM, 2010.).

Luiz Greco, em sua obra Cumplicidade através de ações neutras - A imputação objetiva na participação pontuou, de forma clara, o que seria uma possível conceituação das ações neutras, vejamos:

Proporemos, assim, a seguinte definição de ações neutras: Chamaremos de “neutras” aquelas contribuições a fato ilícito alheio que, à primeira vista, pareçam completamente normais. Tudo aquilo que, num primeiro contato, superficial, é verdade, pareça irrelevante para o direito penal, tenha um aspecto inocente, inofensivo, seja dotado daquela aura angelical do que é socialmente adequando, tudo isso será uma ação neutra. E proporemos também uma regra de decisão para casos de dúvida: os casos de dúvida também podem ser tidos como casos de ações neutras. Poderíamos, assim, reformular a definição dada de forma a compreender tanto a regra geral quanto a regra para o tratamento de casos duvidosos numa única formulação: ações neutras seriam todas as contribuições e fato ilícito alheio não manifestamente puníveis.(GRECO, Luís. Cumplicidade através de ações neutras a imparcialidade objetiva na participação. p.110.)


A criação de deveres de informação e comunicação de operações suspeitas, para ter efetividade, vem aliada a sanções que são instrumentos de coerção para que os agentes colaborem com a máquina estatal. Assim, é importante averiguar até que ponto é legítimo essas exigências, e se o seu descumprimento pode ser considerado uma conduta punível, admitindo cumplicidade com a prática do branqueamento de capitais. Aquele que exerce uma atividade fomentada pelo direito, exemplo, o agente financeiro, quando viola seu dever de colaboração estaria agindo em cumplicidade com o agente branqueador, a essa conduta poderia ser atribuída responsabilidade, pena ou seria o livre exercício de uma conduta lícita e, portanto, não punível?
Nessa seara, a cumplicidade e a punição de forma autônoma dos agentes colaboradores com o sistema de prevenção da lavagem de dinheiro, no caso de descumprimento de seus deveres, obrigam identificar se determinada conduta é ou não uma ação neutra. Ultrapassando a questão do descumprimento, a análise das ações neutras recai especialmente sobre a possibilidade de criação de tipos penais em face do dever de colaborar.

Portanto, a criminalização dos deveres de comunicação de operações suspeitas, reflete uma violação dos limites da responsabilidade penal, pois estaria, muitas das vezes, criminalizando ações neutras. O advogado que presta consultoria jurídica, está exercendo uma atividade lícita, revestida de legalidade, sendo que o exercício dessa tarefa não fere bem jurídico algum, e a obrigação de identificação e informação revelaria um verdadeiro vilipendio ao exercício profissional.

4.1 O sistema financeiro e o auxilio na prevenção ao branqueamento de capitais

No enfrentamento à lavagem de capitais, as instituições financeiras e os agentes bancários foram as primeiras atividades inseridas no o sistema de prevenção, ou seja, foram os primeiros agentes externos a serem chamados para auxiliar na fiscalização. Nesse sentido, as legislações passaram a estabelecer normas imperativas, determinado os deveres de informação de qualquer operação suspeita de ocultação e dissimulação da origem ilícita.

As diretrizes internacionais sempre colocaram os agentes financeiros como os principais auxiliares na prevenção ao branqueamento de capitais, tendo em vista que o sistema financeiro é a porta de entrada dos ativos ilícitos, ou seja, é através das instituições financeiras que se inicia o processo de lavagem de capitais.

Nesse diapasão, os bancos desempenham papel de suma importância, e as normas brasileiras estabelecem uma série de deveres e obrigações que foram instituídas pelo art. 9º, 10º e 11º, todos da Lei 9613 de 1998. Assim, tanto o Banco central quanto o COAF são responsáveis pela fiscalização das instituições financeiras.

Entretanto, em que pese o Banco central ser responsável pela fiscalização das instituições financeiras, cabe às mesmas o dever de identificação, exame e comunicação de operações financeiras relativas aos seus clientes. As instituições financeiras são as responsáveis pelo controle e fiscalização das contas, investimentos, aplicações e operações de seus clientes, tendo o dever de cumprir todas as obrigações de identificação, o devido exame da operação financeira e a eventual comunicação, quando houver a suspeita de ocorrência de branqueamento.

4.2 O sistema não financeiro: Ampliação para além das instituições financeiras no auxílio à prevenção de branqueamento de capitais

As obrigações e deveres impostos aos agentes financeiros e bancários não foram suficientes para auxiliar no combate à reciclagem de bens e valores, o que acarretou no chamamento de novos colaboradores fora do sistema financeiro. Nesse sentido, tanto as diretrizes internacionais quanto a legislação brasileira procuraram estender o campo de aplicação para além das instituições financeiras.

Assim, Nuno Brandão, em sua obra, expressa orientação estabelecida pela Directiva 91/308/CCE que influenciou a legislação portuguesa. Vejamos:

“No art. 12ª da redacção original dispunha-se que os estados –membros procurarão tornar a totalidade ou parte das disposições da directiva extensivas às profissões e categorias de empresas que, não sendo estabelecimentos de crédito nem instituição financeira (...), exercem actividades especialmente susceptíveis de ser utilizadas para efeitos de branqueamento.” (BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema comunitário de prevenção, p.82)


Percebe-se assim que, no enfrentamento à reciclagem de capitais o auxílio somente prestado pelas instituições financeiras não foi suficiente, o que gerou a necessidade de inserir novos agentes. A legislação brasileira, além de instituir obrigações e deveres aos agentes financeiros, na Lei 9.613/98, também elencou uma série de agentes não financeiros, instituindo também obrigações e deveres, e para o seu descumprimento, as sanções correspondente.

4.3 O direcionamento da política criminal preventiva à advocacia consultiva.

A evolução no desenvolvimento do crime de reciclagem e o do sistema de prevenção a esse delito gerou a idéia de que agentes externos poderiam auxiliar no combate à lavagem. Entretanto, como já demonstrado, a criação de deveres de colaboração à repressão delitiva, iniciou-se através dos agentes financeiros e bancários, posteriormente alargando-se para outros setores profissionais, chegando até a advocacia.

Com relação à advocacia, existe uma série de aspectos polêmicos o que focaliza na necessidade ou não do legislador promover o elastecimento do número de sujeitos e entidades envolvidas nas estratégias de prevenção à reciclagem do dinheiro. Nesse aspecto, a utilização da advocacia, traz em pauta uma seria contenda que envolve o recebimento de honorários.

Segundo Rodrigo Sánchez:

“O ponto essencial dessa relação está na controvérsia a respeito da amplitude do tipo penal do branqueamento e o recebimento de honorários pela prestação de serviços advocatícios. Apontado o cerne da problemática, busca-se uma explicação jurídico-penal para a compreensão ou não da atipicidade da conduta praticada pelo causídico. Contudo, o trajeto a ser percorrido requer a devida compreensão das razões de política criminal que estão na base da criação do delito de lavagem, antes mesmo de se ensaiar uma resposta eminentemente dogmática com base nos enunciados da Lei 9.613/98.” (RIOS, Rodrigo Sánchez. A tentativa da Lavegem de Capitais e o Recebimento de Honorários por parte do Advogado Criminalista. Boletim IBCCRIM, Ano 18, N.214. São Paulo:IBCCRIM,2010.)


A política criminal de combate à reciclagem, tanto no âmbito internacional quanto nacional, está voltada para o elastecimento dos agentes colaboradores, incluindo, também, a atuação da advocacia.

No tocante à inclusão da advocacia no sistema preventivo, exige-se uma séria delimitação do âmbito profissional, sendo necessário especificar quais deveres o advogado estaria sujeito, pois a inclusão da advocacia pode representar uma séria violação para além do âmbito profissional, representando até uma violação constitucional. O exercício de defesa do cidadão, direito assegurado pela constituição, poderia sofrer uma seria restrição, com a imposição do dever de identificação e posterior comunicação a autoridades de forma indistintas.

A imposição do dever de colaboração à advocacia chegou a gerar um projeto de lei totalmente insensato e fora do contexto constitucional ( projeto de Lei 6.413/2005) , pois violava seriamente uma gama de princípios fundamentais, como a presunção de inocência e a ampla defesa, chegando a existir uma proposta de que acusados de lavagem de capitais não poderiam constituir advogado particular, tendo que ser assistidos necessariamente por um defensor dativo.

Segundo Rodrigo Sánchez Rios:

“à eventual inserção da classe dos advogados na política preventiva, a reflexão resta centralizada no alcance dos diversos documentos internacionais que circundam e traduzem a problemática. Nessa ordem, a proposta das orientações coerentemente assenta-se na nítida separação entre a atividade consultiva e a contenciosa no exercício da advocacia. Quanto à atividade contenciosa, os enunciados da política criminal são transparentes em requerer a exoneração plena do advogado atuante em total harmonia com suas prerrogativas funcionais. A mesma assertiva não encontra idêntico resultado na área consultiva, sobretudo quando se enfocam as especialidades do direito societário e do tributário, e principalmente diante da primeira manifestação jurisprudencial de uma alta Corte Européia, que considerou legalmente admissíveis as Diretrizes no caso da imposição aos advogados de obrigações de informação e de colaboração com as autoridades responsáveis pela luta contra o branqueamento.” (RIOS, Rodrigo Sánchez. A tentativa da Lavegem de Capitais e o Recebimento de Honorários por parte do Advogado Criminalista. Boletim IBCCRIM, Ano 18, N.214. São Paulo:IBCCRIM,2010.)


Nesse diapasão, é relevante assegurar que a inclusão da advocacia no auxílio à repressão da reciclagem, refere-se à advocacia consultiva, ficando totalmente impossibilitado a inclusão do advogado criminal que atua como defensor em processos criminais referente à prática de lavagem de capitais. Sendo assim, as obrigações recairiam sobre a advocacia consultiva, o que não pacifica a questão, tendo em vista que mesmo na advocacia consultiva, tais deveres (identificação, exame e comunicação) trariam uma série de problemas que poderiam inviabilizar o exercício profissional. Entretanto, existe uma confusão muito grande envolvendo a inclusão da advocacia no sistema de prevenção, envolvendo a advocacia contenciosa e a consultiva na imposição dos deveres de colaboração ao combata da reciclagem.

Nesse sento preleciona Rodrigo Sánches Rios:

“à política preventiva, o legislador pátrio, por razões alheias a uma política jurídica racional, inicialmente não conseguiu separar o papel do advogado como alvo das medidas impositivas do dever de vigilância – restrito ao âmbito consultivo – do profissional que exerce a função de defensor do agente acusado do delito de lavagem” (RIOS, Rodrigo Sánchez. A tentativa da Lavegem de Capitais e o Recebimento de Honorários por parte do Advogado Criminalista. Boletim IBCCRIM, Ano 18, N.214. São Paulo:IBCCRIM,2010.) A exoneração da advocacia contenciosa no auxílio ao combate do branqueamento de capitais já ficou clara em diversos diplomas internacionais, assegurando que a advocacia referente à defesa em processos criminais, estaria isentada das obrigações de colaborarem na fiscalização do delito. Dessa forma, os deveres de informação recairiam somente sobre a advocacia consultiva, nos casos em que o profissional atua na acessória legal em nome dos clientes, realizando uma atividade não exclusiva da advocacia, atividade que é própria do advogado, o que não estaria submetida ao sigilo profissional, o que autorizaria à colaboração, prestando informações às autoridades.


Todavia, essa posição não pode ser facilmente aceita, ressalta-se a importância de que o exercício da advocacia envolve uma série de particularidades que, sem o sigilo profissional, a relação cliente/advogado ficaria inviabilizada, o que traria sérias restrições ao exercício profissão. É importante afirmar que o sigilo profissional, disciplinado pelo Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu capítulo III, do art. 25 ao art.27, regula o sigilo profissional do Advogado, no qual não restringe o sigilo profissional somente aos caos de exercício exclusivo do advogado.

É importante saber o sigilo profissional no exercício da advocacia, seja ela contenciosa ou consultiva, é de extrema importância, pois é a confiança do cliente no advogado que permite uma atuação independente e proativa no exercício da defesa de direitos. Assim, em que pese o GAFI possuir sugestões que impõem ao profissional o dever de vigilância e comunicação de operações suspeitas dos seus clientes, a própria recomendação isenta o advogado nos casos em que estão sujeitos ao sigilo profissional.

Diante das obrigações e deveres impostos aos advogados, juntando-os ao sistema comunitário de prevenção ao branqueamento de capitais, surge a discussão referente à criminalização das ações neutras. O advogado que não cumprisse com o dever de prestar informações, não comunicando uma operação suspeita de um cliente, seria cúmplice na prática de lavagem? O recebimento de honorários maculado colocaria o advogado na condição de cúmplice ou autor do delito de lavagem de capitais?

Segundo preleciona Rodrigo Sánchez:

“Uma das respostas advindas da doutrina é saldo dos estudos em torno das condutas neutras, socialmente adequadas ou standard. Tem havido a devida reflexão teórica em traçar linhas concretas de diferenciação junto ao instituto da cumplicidade, além de identificar no tipo – especificamente no seu aspecto objetivo – a categoria de imputação passível de constatar a existência de sentido delitivo ou se a conduta do autor não supera os limites do risco permitido. Tais conclusões permitem um traslado conceitual ao campo da atividade dos advogados e do recebimento de honorários maculados. A invocação aos postulados da imputação objetiva deverá conferir uma prévia análise tanto das incoerências do critério da causalidade quanto das parciais e insuficientes percepções derivadas dos critérios ontológicos.” (RIOS, Rodrigo Sánchez. A tentativa da Lavegem de Capitais e o Recebimento de Honorários por parte do Advogado Criminalista. Boletim IBCCRIM, Ano 18, N.214. São Paulo:IBCCRIM,2010.)


O exercício da advocacia é fundamental na manutenção do Estado Democrático de Direito, e o sigilo profissional é um dos pilares centrais de tal atividade, não pode um advogado prestar informações, comunicando uma operação suspeita que tenha conhecimento através do exercício de sua profissão sob o manto do sigilo e da confiança depositada em si pelo seu cliente. Ressalte-se, isso não significa que a advocacia esteja autorizada a auxiliar um agente na prática da lavagem de capitas, o que não pode acontecer é um diploma legal obrigar o advogado no exercício da sua profissão, atentos aos limites de sua atuação legal, ter que comunicar uma operação suspeita que apenas teve conhecimento por conta da confiança depositada em si pelo seu cliente.

Com relação ao recebimento dos honorários, é importante frisar uma séria violação do princípio da presunção de inocência, e que o recebimento por parte do advogado não pode ser enquadrado, no âmbito da cumplicidade, no delito de lavagem de capitais. O recebimento de honorários estaria relacionado aos serviços advocatícios prestados, ou seja, trata-se de remuneração pela prestação de uma atividade lícita, qual seja, a elaboração de uma defesa em um processo judicial ou administrativo, ou a assessoria jurídica.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema comunitário de prevenção ao branqueamento de capitais representa a transferência da responsabilidade na fiscalização da ocorrência de condutas direcionadas à reciclagem de capitais. O Estado, através da criação de deveres de prestação de informação, na qual obrigam agentes externos a realizar comunicação de operações suspeitas, gerou sanções que refletem na incriminação de condutas neutras.

Uma leitura apurada das diretrizes e das propostas dos organismos internacionais, analisando o ambiente nacional expresso através do projeto de lei 6.413/2005, percebe-se uma forte intenção no alargamento da utilização de agentes externos na fiscalização, incluindo, com muita intensidade, a preocupação de introduzir a atividade consultiva do advogado. A inclusão da advocacia traz sérios problemas, tendo em vista a difícil tarefa em delimitar a extensão e a eficiência das medidas preventivas do dever de vigilância e da comunicação de operações suspeitas.

A construção de um aparelho preventivo cada vez mais alargado representa sérios riscos à legalidade penal, tendo em vista a forte tendência de criação de sanções e criminalização das condutas relacionadas ao dever de informação e comunicação. Esse alargamento acaba gerando um campo de insegurança devido à falta de regras claras precisas na delimitação do exercício do dever de comunicação de operações suspeitas.

O sistema de prevenção ao branqueamento não pode aumentar de forma ilimitada os colaboradores na fiscalização, o que poderia haver um aumento indiscriminado de sanções e a conseqüente criminalização de diversas condutas. Ressalta-se que, os deveres e obrigações recaem sob atividades legais e fomentadas pelo direito, mas que são importantes para o auxilio na fiscalização das ações de ocultação de bens e valores ilícitos.

A incriminação das condutas referentes às obrigações de identificar e comunicar operações suspeitas traz uma questão de fundo muito interessante, referente à incriminação de ações neutras, uma vez que a incriminação dos deveres das funções de identificar e comunicar deveria passar pela análise do contexto fático, e é importante ressaltar que, tanto a autoria delitiva quanto a participação, estão submetidos ao contexto dos acontecimentos históricos. Nesse sentido, é importante a diferenciação entre uma conduta que auxilia na realização de uma operação de lavagem de capital, da conduta que presta um serviço lícito, mas que o destinatário do serviço o emprega de forma a fomentar seu intuito criminoso. Assim, não há que imputar deveres e obrigações, criminalizando seu descumprimento, pelo fato de se obter um auxiliar importante no âmbito da prevenção, sob pena de gerar um alargamento exasperado de obrigações e criminalização de condutas neutras.

7 – REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema comunitário de prevenção, Coimbra: Coimbra Editora, 2002.
BARROS, Marcos Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
GRECO, Luís. Cumplicidade através de ações neutras a imparcialidade objetiva na participação. Rio de Janeiro: Renova, 2004.
LOBATO, José Danilo Tavares. Ações neutras - Algumas notas corretivas para o debate brasileiro. Boletim IBCCRIM, ano 18, n.216, São Paulo: IBCCRIM, 2010.
MASSUD, Leonardo e SARCEDO, Leandro. Lavagem de Dinheiro: Do Contexto Histórico à atualidade e sua criminalização pela legislação brasileira. Leis Penais Comentadas. São Paulo: Quartier Latin, 2001.
PRADO, Luiz Regis.Direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
RAMOS, Samuel Ebel Braga. Lavagem de dinheiro: Aspectos históricos e processo de branqueamento de capitais, retirado do site WWW.jurisway.org.br em 06.11.2010.
RIOS, Rodrigo Sánchez. A política criminal destinada à prevenção e repressão de Lavagem de dinheiro, Direito Penal Econômico: análise contemporânea. Celso Sanchez Vilardi, Flávio Rahal Bresser Pereira, Theodomiro Dias Neto, coordenadores, São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
RIOS, Rodrigo Sánchez. A tentativa da Lavegem de Capitais e o Recebimento de Honorários por parte do Advogado Criminalista. Boletim IBCCRIM, Ano 18, N.214. São Paulo:IBCCRIM,2010.